A propósito do 6 de Outubro

R a i m u n d o M a r i n h o
(sem pretensões poéticas)

Olho para tuas serras azuis

Quando sobre elas choram

As plúmbeas nuvens dos céus

Olho para elas fumacentas

Quando nelas faíscam

Os raios flamejantes do sol

Nunca perdem os encantos

Que enchem o meu espírito

Da calma doce de Deus

 

Olho tuas planícies e vazantes

Onde um dia menino eu vi

Volumosas e turbilhantes

As bravias águas do teu Rio

Contemplo as sobras do tempo

Dos coqueirais transformados

Das mangueiras centenárias

Dos casarões desfigurados

Dos regos fartos e caudais

Dos verdejantes arrozais

 

Dos idos da minha infância

Das matas, roças e quintais

Há muito em minhas lembranças

Que o tempo nunca desfaz

Como o lindo véu de noiva

Que da Serra das Almas cai

Como a imponência da matriz

Transformada em catedral

 

Por onde andei, perguntavam

Sobre o lugar em que nasci

Orgulhoso eu respondia

Naqueles tempos tão saudosos

Tem arroz, manga e cachoeira

Têm a praça da bandeira

Onde me sentava para escutar

A voz do alto-falante e do sino o repicar

Tem tudo mais que Deus não deu

A nenhum outro lugar

As roças de milho e feijão

E a beleza dos canaviais

Há terra vermelha no chão

Os espinhos do “quiabo bento”

E as flores do maracujá

 

Insistiam então em saber

Porque viestes para cá

Com tantas coisas a desfrutar

Respondia que na verdade

Meu coração e minha alma

Tinham permanecido lá

Assim como o meu umbigo

Pela crendice da minha mãe

Enterrado havia de ter sido

Na porteira de algum curral

 

Fazendeiro nunca pude ser

Mas talvez seja por isso

Que não importa onde esteja

Eu sempre sonho em voltar

Aos encantos sertanejos

Dessa terra benfazeja

Onde Deus me fez nascer

Livramento de N. Senhora,
Parabéns pelos 85 anos!

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Dados Históricos (*)

“Com seus 2.291 quilômetros quadrados, o município de Livramento de Nossa Senhora, na Bahia, corresponde a um ponto feito com o bico de uma caneta numa folha de papel do tamanho do Brasil. Equivale a menos de 0,0005% da superfície total do globo terrestre, o que poderia representar uma insignificância, um pontinho qualquer, num canto do mundo, pelo qual não pudesse haver qualquer interesse. Mas, ao contrário, é palco da saga histórica de um povo que reúne profundas riquezas antropológicas, cujo significado engloba todos os níveis de estudo e análise do gênero humano. É curioso,por exemplo, imaginar como, há quase três séculos, uma comunidade pudesse sobreviver no local, praticamente isolado, sem meios ágeis de comunicação com o resto do mundo e do país. Outra curiosidade é a influência de culturas externas em muitos aspectos da vida local, como educação, modelo agrícola e arquitetura. Até hoje, existem traços disso, como nos casarões urbanos e rurais, que são bem parecidos com os modelos importados da Europa, na era colonial. Embora o Brasil tivesse sido colonizado pelos portugueses, em Livramento, na época da Vila Velha original, as pessoas cultas tinham bem mais intimidade com a língua francesa do que com a portuguesa. O conhecimento dessa realidade, hoje, principalmente entre as pessoas abaixo de 50 anos, é pouco difundido. Uma das razões para que isso ocorra é a falta de registro sistemático e organizado sobre a história do município, normalmente transmitida por tradição, ao longo dos anos. É grande o prejuízo em decorrência disso, não só pela perda paulatina da memória, como pelo desaparecimento das pessoas que testemunharam os acontecimentos.

(...)

“Os índios e os primeiros moradores brancos praticamente não deixaram vestígios. Nem mesmo a memória dos mais antigos guarda essa lembrança. Não se conhece o tipo de vida que havia antes do século XVIII e nem do momento em que a vila foi criada. São origens já perdidas no tempo, não havendo indicativos de como recuperá-las. A memória fixa-se a partir da ascendência portuguesa, que trouxe para Livramento não só a escravatura, mas também costumes finos, como o estudo da língua francesa, técnicas agrícolas e de construção. Fazem falta, hoje, dados que permitam uma visualização da forma de vida humana de então e do desenho físico desse bolsão do passado, nascido dentro do que restou de uma provável cratera vulcânica.

“São escassas as informações sobre quem primeiro pisou e povoou o solo livramentense, bem como sobre os seus habitantes originais. Quase todas as fontes pesquisadas indicam, concomitantemente, os bandeirantes paulistas e os portugueses da linhagem do Conde da Ponte, como sendo os pioneiros. Os bandeirantes são citados como os aventureiros que aportaram na região em busca de ouro, mas não é descrito o modo como teriam conseguido chegar a um local tão distante do litoral e, principalmente, do sul do país, sobretudo pela falta de estradas e de outros meios de comunicação, na época. Não existia nem mesmo um rio navegável, o caminho mais utilizado para a interiorização do desenvolvimento e da exploração do território brasileiro. Porém, é certo que a vinda dos portugueses não se confunde com a ação dos bandeirantes paulista, que fundaram a vila original. As ‘bandeiras”, cuja finalidade era desbravar o sertão, abrangeram exatamente o período do século XVI ao século XVIII. Enquanto isso, o sistema das “sesmarias”, através do qual o Conde da Ponte teria adquirido o direito às terras, ocorreu bem depois. As terras começavam no litoral, onde hoje se localizam as ruínas do castelo ‘Casa da Torre’, de Garcia D’Ávila. Sucedeu a ‘Casa da Torre’ a ‘Casa da Ponte’, cujo 8º Conde foi Antônio Saldanha Guedes de Brito, que passou a dono das terras dessa área do sertão da Bahia, também conhecido como Sertão de Cima, sucedendo a Francisco Dias D’Ávila. O conde outorgou procuração ao coronel Joaquim Pereira de Castro, fidalgo português, para vender as áreas, pelo ano de 1765, o qual passou a residir exatamente onde hoje é Livramento, na localidade conhecida como Engenho. Supõe-se, desse modo, que já havia, nessa época, um controle e uma definição quanto aos limites e à propriedade das terras. As referências aos índios são feitas como um fato natural do Brasil da época, embora também disputassem, como os mongonhós e imborés, as terras da região. Consta que o coronel Joaquim Pereira de Castro casou, quando Livramento ainda era Vila Velha, com Francisca Joaquina de Jesus, filha de Manoel Teixeira e Romana da Silva Madureira, da Fazenda Tapera. Romana era uma índia da região, que foi domesticada. Uma filha do coronel casou-se com Rodrigo de Sousa Meira, filho do miliciano Francisco de Souza Meira, que veio de Portugal para Livramento, em 1788, originando as famílias com os sobrenomes “Castro” e “Meira”, do município.

(...)

“Os dados sobre o surgimento do município de Livramento de Nossa Senhora, como visto no item “Quem fundou Livramento”, são controversos e o pouco que se sabe foi transmitido aos contemporâneos por tradição. O que há de mais concreto é a origem nas iniciativas de desbravamento do sertão, a partir da busca de metais e pedras preciosas, principalmente o ouro e o diamante. Com o advento do ciclo da mineração, consuma-se a colonização do interior. Minas Gerais e Bahia lideraram o processo. Onde uma mina revelava-se producente a coroa portuguesa autorizava a criação de uma vila. No local de nascimento do rio de Contas Pequeno, hoje o rio Brumado, que banha Livramento, o bandeirante paulista Sebastião Raposo encontrou ouro, por volta da segunda década do século XVIII, surgindo no local a Aldeia de Mato Grosso, que se transformou na sede da primeira Freguesia do Sertão de Cima. Freguesia é um núcleo religioso, hoje conhecido como ‘paróquia’, o que mistura a religião e o interesse pelo ouro na origem dos núcleos populacionais de então. Descendo o leito do rio, novas pepitas são descobertas, fazendo surgir um novo povoamento exatamente onde é a sede municipal de Livramento. Não há registro de que religiosos e mineradores atuavam juntos, mas onde um chegava o outro também aportava e todas as referências históricas consultadas indicam que o primeiro núcleo populacional teve início, em 1715, com a chegada dos bandeirantes paulistas. Acrescente-se que os padres jesuítas deslocaram-se para lá, no mesmo ano, e construíram uma pequena capela, sob a invocação de Nossa Senhora do Livramento. O povoado original é transformado, no ano de 1724, na Vila de Nossa Senhora do Livramento de Minas do Rio de Contas.

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“A então Vila de Nossa Senhora do Livramento de Minas do Rio de Contas acaba sendo transferida, em 1746, para local onde hoje é a cidade histórica de Rio de Contas, cujo nome original foi Arraial dos Creolos. Com isso, a antiga povoação passou a denominação de ‘Vila Velha’, com a qual permaneceu por muitos anos, enquanto Rio de Contas vive o apogeu do ouro e transforma-se numa verdadeira capital regional, estendendo seu poder econômico para além da Chapada Diamantina e da Serra Geral.

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“O ato que criou a vila originária, de extenso nome, foi a Resolução Provincial de 9 de fevereiro de 1724, assinada pelo 4º vice-rei do Brasil, Vasco Fernandes César de Menezes, o Conde de Sabugosa, que vigorou por 18 anos, antes de ser transferida para Rio de Contas. Somente em 3 de julho de 1880, é reconquistada a categoria de vila, através de nova resolução provincial, desta vez com o nome de Vila Nova do Brumado, por localizar-se às margens do rio Brumado, antes chamado de rio de Contas Pequeno. Quase 50 anos depois, desmembra-se de Minas do Rio de Contas, emancipando-se administrativamente, pela Lei Estadual 1.496, de 26 de julho de 1921, mas só começou a funcionar em 6 de outubro do mesmo ano, com o nome de Vila Velha. Em 25 de maio de 1923, passa a denominar-se Livramento e, em 13 de agosto de 1926, adquire foro de cidade. Somente em 31 de dezembro de 1943, o município passa a denominar-se Livramento do Brumado. Esse nome, causa de polêmica, é hoje completamente ignorado e até desconhecido pelas gerações mais recentes. Todavia é, na verdade, o nome oficialmente reconhecido pelas autoridades federais. Mas o nome consagrado e reconhecido, a nível estadual, é Livramento de Nossa Senhora, criado a partir da Lei Estadual nº. 2.325, de 14 de maio de 1966. A Lei, publicada no Diário Oficial da Bahia, em 14 de maio de 1966, foi assinada em praça pública pelo então governador do Estado Antônio Lomanto Júnior. Entretanto, ela estabelecia algumas condições, de cunho burocrático, como a definição de limites territoriais, mas que nunca foram cumpridas. Esta a razão da polêmica citada, que está a exigir a atenção das autoridades legislativas e executivas do município”. (Nota de atualização: essa questão já foi sanada, não havendo mais a polêmica mencionada)

(*) Trechos extraídos do livro “Livramento é de Nossa Senhora”, escrito em co-autoria por Raimundo Marinho e Eduardo Lessa, em 1995.