09.01.2009
      E N T R E V I S T A
      Vagner Neves Freitas
      Prefeito de Jussiape
      “Eu sou o único prefeito que  ganhou e preferia ter perdido”, disse, demonstrando uma realista desilusão, o novo  prefeito do Município de Jussiape, na Bahia, em entrevista exclusiva ao jornalista  Raimundo Marinho, de “O Mandacaru”. Empresário dos ramos de transporte de  madeira e terraplanagem, em   São Paulo e na Bahia, Vagner Neves Freitas, 40 anos, casado  atualmente com D. Tânia Dulce e pai de cinco filhos, de dois casamentos - Larissa,  11 anos, Isabella, 10, Maria Alice, 5, Maria Fernanda, 4 e Vagner Enzo, 5 -  largou tudo, praticamente, para se dedicar à política. E, mesmo se dizendo  desiludido e arrependido, promete fazer uma verdadeira revolução administrativa  e na visão política no pequeno município baiano. Ele nasceu em São Paulo e, com a morte  do pai, veio ficar com o avô, aos 5 anos, em Jussiape, mas retornou um ano  depois para São Paulo. Volta, aos 13 anos, a Jussiape, mas também só ficou um  ano, na Bahia, expulso, segundo ele, por parentes, que não o agüentaram. Aos  33, troca São Paulo, em definitivo, por Jussiape, ou seja, em 2001, passando a  operar na região, com sua empresa “Duas Marias”, desenvolvendo, paralelamente, amplo  trabalho de assistência à população. Sua posição nas pesquisas eleitorais, em  2008, desencadeou uma oposição ferrenha do então prefeito, Elpídio Luz, que  tentou, inclusive, impugnar sua candidatura, levantando processos penais pelos  quais respondeu em São Paulo,  mas de que já havia se livrado, conforme provou na Justiça Eleitoral. Irrequieto,  ele não esperou tomar posse para começar a atuar em favor da comunidade,  conseguindo junto ao Derba, através da deputada Marizete Pereira, o  encascalhamento da rodovia que liga a sede do município ao distrito de  Caraguatai (clique  aqui para ler mais). Leia, a seguir, a entrevista, na íntegra:
      
      Novo prefeito (dir.)  recebe as chaves do oficial de Justiça
       
          Prefeito, qual foi o grande desafio dessa eleição para o senhor?  Tudo. O povo, os políticos, a cultura. Aqui tem o câncer  do emprego. Só votam a troco do emprego, a troco de alguma coisa. 
      E qual será o grande desafio da sua administração?  O desafio....? O povo se conscientizar e parar de vender  seu voto, para poder cobrar. E quem vende, pra mim, se vender o voto, você não  tem direito de cobrar nada. O desafio é o povo não vender o voto. Votar em quem  achar que é melhor. 
      O senhor acha que pode educar o povo nesse sentido?  Tentar eu vou. Mas como a cultura já é uma cultura não só  daqui, como de cada cidade da região. Mas tentar eu vou. Porque eu não compro,  não dou nada. Faço o que acho que é de obrigação da Prefeitura, não tenho que  alisar nem agradar ninguém. Vai depender do povo. Que vai ser um choque para  eles, vai.
      Quais são seus principais projetos para Jussiape?  Saúde e Educação. Porque aqui, as escolas, a maioria, da  roça são dadas ao professor, para você dar um emprego para a pessoa, que você  tem o voto por quatro anos. Eu já estudei aqui há 25 anos, a escola aqui era  melhor que São Paulo. Eu, que não me formei, não troco o pouco que aprendi pelo  de uma pessoa que se formou aqui, hoje. E a educação e a saúde que, aqui, pode  esquecer que é zero. Que vai ver se melhora a saúde agora, com bons médicos. 
      O que não tem hoje e que o senhor pretende trazer, na área da saúde?  Que tipo de atendimento, que tipo de serviços, que tipo de equipamentos?  Ginecologista – medicamentos, eu não vou falar, porque se  tem que ir atrás de convênios, depende de outros políticos para se ganhar,  porque com os recursos daqui você não tem condições de comprar – um pediatra, que  não tem. O médico atende, mas não é especialidade dele. Ginecologista, que aqui  nunca teve, e bons médicos. Pagar bem e cobrar do médico, também.
      Por que o senhor somente hoje (7 de janeiro) conseguiu entrar na  Prefeitura?  Porque aqui... acho que é tanta  coisa errada que tem aqui. Sabiam que ia ter auditoria... eu acho no meu aviso  pensaram que eu ia chegar e meter o pé na porta na Prefeitura e como eu sei que  deve está faltando muita coisa, o responsável seria eu. Como eu tive paciência  de entrar na Justiça e só entrei (na  Prefeitura) agora, com a Justiça autorizando. 
      E houve dificuldade e resistência ou má vontade do gestor anterior em  lhe transmitir o cargo?  Não foi transmitido o cargo. No  dia da Câmara, de todo mundo tomar posse, não foi a documentação para tomar  posse, não tinha ninguém para dar a chave, tinha a pessoa, mas disse que estava  autorizada a não entregar a chave da Prefeitura. 
      Nessa visita rápida que o senhor acaba de fazer à sede da Prefeitura,  o que mais lhe chamou a atenção, que mais lhe espantou ou o que mais lhe  agradou? Espantar,  não, que eu já sou daqui, nada me espanta mais. O que me agradou...? Nada me  agrada, está tudo acabado. Vai me agradar daqui a um ano ou dois, quando  começar a melhorar. 
      Quais as principais deficiências que o senhor notou, ao inspecionar as  instalações da Prefeitura?  Tudo, o descaso, tudo jogado. Nada  está na sua ordem. Eu sei que estão faltando quase todos os documentos. Vou  tentar provar, agora, que houve roubo.
      O que o senhor acha que deve e precisa mudar na administração das  prefeituras do interior da Bahia?  Aprender a falar não, com sinceridade, do que falar um sim, sabendo que esse sim é mentiroso, que nunca vai ser  honrado. Então, fale um não, mas um não verdadeiro. Não um sim mentiroso. Tiver que falar um sim, que seja verdadeiro. E um não, que seja um não verdadeiro também. Um povo (os  políticos) que só sabe mentir. Se vai pedir alguma coisa, demora dois anos  e nunca vem. E é assim, quero falar a verdade pro povo. Para ver se o povo  aprende.
      
        
            
            Vagner  posa  com esposa e  filhos, no gabinete 
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      E quanto à administração do dinheiro público, a oferta de serviços,  por exemplo, o que o senhor acha que poderia melhorar, que poderia mudar?  Aqui tem 200, quase 300 concursados. Para o quadro ficar  perfeito, tem que contratar mais 120 pessoas. Fazer um concurso para encher a Prefeitura,  de concursados. Porque aí acaba o vício, que nenhum outro prefeito quer fazer  mais concurso, aqui. Para mentir para as pessoas, dando emprego. O voto a troco  do emprego. Vou contratar, vou fazer o concurso. O próximo que entrar, vai ficar  difícil para ele oferecer emprego, porque o quadro realmente vai estar lotado com  a capacidade que precisa mesmo. Ninguém vai ter mais condições de oferecer  emprego para a família que tem 20 votos, a troco do seu voto. 
      O que o senhor acha que pode facilitar sua administração, o que espera  contar como facilidade para o seu trabalho?  Não tem o  que responder... Preciso de convênios. Arrumar aonde, convênio, do jeito que  está? 
      Então, o que pretende fazer para conseguir esses convênios?  Ajuntar umas cinco ou seis cidades da região. Apoiar um só  deputado. E o governo, tentar um convênio com ele, porque a hora de berganhar  também é agora, que é a hora da política de governador e deputado. Nós daremos o  voto a troco de alguma coisa pro povo, de obras.
      O que entende que pode lhe atrapalhar e como pretende vencer?   Atrapalhar, está difícil. Está vindo médico para cá, que  vai ajudar bastante, também. Meu pessoal vai começar a trabalhar, se o povo  quiser. Porque, em Rio de Contas, quando foi feito o asfalto de lá para cá, o  povo de Marcolino (distrito de Marcolino  Moura), todo mundo trabalhou. Quando chegou o asfalto na região de  Jussiape, ninguém quis trabalhar. Porque o povo daqui quer o emprego, para ter  o salário, mas não quer trabalhar. Então, vai depender do povo, não é de mim. A  minha obrigação, como prefeito, eu vou fazer. Agora, a obrigação do cidadão,  ele vai ter que fazer também.
      O senhor vai trabalhar com um orçamento aprovado na gestão anterior.  De quanto é esse orçamento e o que ele significa para o que pretende fazer,  pelo menos nesse primeiro ano de mandato?  O  orçamento só dar para saber amanhã (8 de  janeiro, quando o prefeito assumiu de fato o cargo), não tive acesso  nenhum. Vamos passar apertados. Mas como não vão ter mais 600 pessoas  contratadas, então quer dizer que passa apertado mas dar para passar. Dar para  conseguir passar. Porque, se um prefeito contratou 600 pessoas, conseguiu  passar... Eu não vou meter a mão no dinheiro. E, como eu vou diminuir bastante  os empregos, que eu sei que não há necessidade, dar para passar tranqüilo. 
      Como pretende se relacionar com os demais prefeitos da região?  Da melhor maneira, fazendo uma parceria, um apoiando o  outro, um ajudando o outro, sendo bons vizinhos. Ver se tem condições, porque,  daqui a pouco, todo mundo começa a brigar, por causa de deputados, governo... 
      Que tipo de problemas comuns, que são de todas as prefeituras, que o  senhor acha que poderão ser resolvidos mais facilmente se todos estiverem  unidos?  Saúde. Porque se poderia contratar  os melhores médicos. Se todos contratassem o mesmo médico, porque um médico que  trabalhasse em Jussiape trabalharia, por exemplo, em Livramento, Rio de Contas,  Abaíra. Ficaria só nesse foco. Você trazia um médico bom para cá, o vizinho não  quer. Então ele sai daqui para Salvador, de lá para Conquista (Vitória da Conquista), de Conquista para  trabalhar em Brumado.   Então, o certo seria unir todos aqui (na região), um médico de cada área, o que ficaria mais barato, pois  o médico ficaria numa cidade perto uma da outra. Mas como todo mundo tem seu compromisso,  o que acaba não acontecendo. 
      Em entrevista que nos concedeu, o prefeito de Livramento, Dr. Carlos  Batista, citou um idéia que estaria em gestão, para criação de uma Associação  dos prefeitos da região. Entre os problemas comuns cuja solução poderia ser  reivindicada em conjunto, perante os governos estadual e federal, ele também  citou os da saúde e mais as estradas. O senhor apóia a criação dessa Associação  e que benefícios ela poderia trazer?  Acho que beneficia em tudo. Porque, se você  apoiar um deputado, acho que são quatro ou cinco cidades que nós temos, daria  para eleger um deputado. Quer dizer, o deputado não precisaria correr atrás de  cidades, por causa de 500 votos em uma, 1.000 em outra, só com promessas. E ele  tendo cinco cidades eu acho que tudo que ele conseguir dá para dividir para as  cinco cidades. Tem mais facilidade de conseguir maquinário no Derba (Departamento de Estradas de Rodagem do  Estado da Bahia), para fazer as estradas, nos povoados. Médico, fica  melhor. Carlão (Dr. Carlos Roberto Souto  Batista) que é o prefeito de Livramento (Livramento de Nossa Senhora), eu devo a ele, daqui, a Saúde, tudo é  ele. Ele e Dr. Marilton (Marilton Matias,  diretor do Hospital de Livramento), se não fosse ele, o povo daqui estava  abandonado e iria ficar abandonado (por)  dois anos, porque o hospital daqui não funcionava. A Dires (Diretoria Regional da Saúde, órgão da  Secretaria Estadual de Saúde), na minha opinião, tanto faz existir como não  existir, porque veio a diretoria da Dires, aqui, várias vezes, viu o hospital  fechado, sem médico, e não fez nada.
      O senhor acha que o pedido coletivo, dos prefeitos, de forma  organizada, através de uma Associação, pode forçar a autoridade do Estado, o  governador, a dar mais atenção?  O deputado, eu acho que sim, em  quatro ou cinco cidades você elege ele. Então, ele fica com o compromisso só  com essas cidades. Isto também se ele tiver boa vontade de mandar projetos e  correr atrás, porque (a) muitos você dá o voto do eleitor e não vem nada para  cidade, você sabe disso. E o governo, agora fica mais fácil, daqui a dois anos é  a eleição, vamos precisar ter um pouco mais de força, para ver o que mais está  precisando. E as cinco cidades, alguma coisa vai ter que vir. Se não vier para  mim, vai para a dele (outro prefeito). Se não servir diretamente para mim, mas  indiretamente vai servir, porque vai estar na do vizinho e meu eleitor vai  poder usar. Tanto se vier para mim e não for para ele, vai poder dividir, como  se fosse uma cidade só. Só com quatro ou cinco prefeituras. Na minha cabeça.
      O senhor poderia falar sobre a emoção de ter sido  eleito e de ser, agora, o prefeito do Município de Jussiape?  Eu sou o único prefeito que ganhou e preferia ter  perdido. Porque eu entrei pensando que dava para fazer alguma coisa e hoje que  eu entrei eu sei que é tudo mentira. A lei foi feita para o prefeito roubar à  vontade. Ele pode roubar mesmo, que não acontece nada. A única verdade é essa:  a lei foi feita para o político roubar à vontade. É pura mentira. Lei de  responsabilidade fiscal é mentira. Você pode provar que roubou, que abusou...  Me mostra um, que foi condenado. Nenhum. Então, para mim, a ilusão da minha  vida foi essa, para nunca mais me envolver com essa política. 
      
      Mesmo dizendo que  preferia ter perdido a eleição, novo prefeito garante levar mandato a sério