Comentário – 31.05.2010

Não podemos perder a razão

Por Raimundo Marinho

É necessário ser firme no combate ao que denomino síndrome kafkarlovsquiana, termo que uso para denominar desvios políticos e certos comportamentos humanos, que menosprezam o interesse coletivo. Estamos afetados por uma cegueira perturbadora diante de questões graves do nosso cotidiano, como se nos bastassem promessas nunca cumpridas e migalhas miseravelmente distribuídas.

Urge percebermos que alta é a conta que já pagamos e que se tornará ainda mais gravosa, no futuro.  Deixaremos para as futuras gerações o sofrimento do saldo amargo de pendências geradas por nossas preocupações imediatistas de hoje e pela cega idolatria a ícones de lama. É tão espesso o lodo em que chafurdam nossos atores políticos que já se tratam por cascavéis. 

Livramento de Nossa Senhora cresceu, deixou de pertencer a círculos políticos fechados, coronelistas e provincianos, com uma plêiade de parasitas e sanguessugas gravitando em torno deles. A sede do município, por exemplo, há muito deixou de ser pousada de uma sociedade rural e ganhou certa autonomia urbana, desordenada, é bem verdade, mas já um consagrado pólo comercial da região.

Não mais pode ficar à mercê da falta de planejamento, normalmente resultante da ausência de inteligência política. Não comporta o egocentrismo nocivo de pensamentos administrativos paroquiais, como os revelados pelas recentes gestões municipais, abarcando os últimos 20 anos. Há eleitores que se tornam venais e muitos eleitos transformam os mandados em propriedades privadas.

Amargamos problemas graves e emblemáticos causados pelo modelo político-administrativo até agora praticado no município, caracterizado pelo amadorismo, pela ineficiência e subserviência aos governos centrais (Estado e União), sob a marca da transigência em nome das conveniências políticas e pessoais, em detrimento do interesse coletivo.

Não existe comutatividade entre gastos orçamentários e resultados obtidos, nem preocupação em dar esclarecimentos. Orçamentos são meras peças de ficção, normalmente copiadas de outras prefeituras. Há nítido desprezo, por parte dos gestores, para com os princípios fundamentais da Administração Pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), prevalecendo-se da pobreza, da falta de instrução e ignorância dos mais prejudicados - o povão.

Os problemas estão evidenciados, entre outros, na obsolescência do sistema viário; contaminação dos recursos hídricos e do solo; propagação da droga entre a juventude (incluindo o craque); falta de segurança (assaltos e arrombamentos já chegaram por aqui); degradação do ensino e educação; precariedade da saúde; abastecimento de água; saneamento básico; desordem urbana; pobreza endêmica.

São precários os serviços públicos em geral e as representações populares! O governo municipal, atualmente corolado com slogan que inclui a humanização, mantém em um serviço público essencial - a limpeza urbana - pessoas (os garis) trabalhando em condições indignas, alguns doentes, sem amparo da assistência e previdência social, pagando-lhes de R$200,00 a R$400,00 por mês, bem abaixo do mínimo obrigatório (R$510,00).

A liberdade de expressão, de crítica e opinião, assim como a liberdade funcional, outrora e agora, tem sido sufocada de todas as maneiras, da ação judicial contra jornalistas e retaliações de outras pessoas, às intimidações e perseguições políticas, empresariais e funcionais. Sob o manto do medo ou de conveniências, os necessitados e os oportunistas se curvam aos reis prefeitos.

Meio ambiente e saúde pública estão expostos ao risco da degradação, como demonstra a morte dos rios (Taquari e Brumado), nos trechos que cortam nossa cidade; e pela contaminação das águas, incluindo o lençol freático, por dejetos sanitários e agrotóxicos; além da destruição do bioma da caatinga, pela atividade ceramista; e desmoronamento de edificações históricas, carentes de manutenção, preservação e ou tombamento.

Deveriam ser mais bem fiscalizados pelos órgãos responsáveis e defensores dos bens públicos, principalmente Prefeitura, Ministério Público, Câmara de Vereadores e Polícias (civil, militar e administrativa). Boa parte da população queda-se igualmente inerte ou predadora – incluindo doutores, incultos, ricos e pobres.

Não bastasse a omissão generalizada, muitos não colaboram com os raros apelos públicos, como a recente campanha do lixo da Prefeitura: continuam colocando os sacos nas calçadas ou pendurados nas árvores, aos domingos e feriados, em que se avisou não haveria mais coleta. Aliás, há uma opinião técnica, segundo a qual, bastaria haver coleta apenas em dias alternados.

No mais das vezes e no pior dos revezes, políticos e eleitores alimentam o mercado ignóbil da compra, venda e troca do voto, que deixou de ser baluarte da democracia, para simbolizar a degradação da cidadania. Dessa forma, alienam a própria liberdade, o progresso e emasculam a soberania do mandato e, conseguintemente, a supremacia do interesse coletivo.

As incoerências, os antagonismos, o descomprometimento e até o despudor vem, inclusive, do alto, demonstrando que a degenerescência a todos contaminou. Luiz Inácio da Silva, em 2000, quando ainda era apenas “Lula”, disse, na linguagem peculiar de um sindicalista, mas com a profundidade de um cientista:

“Olhe, lamentavelmente, no Brasil, o voto não é ideológico. Lamentavelmente, as pessoas não votam partidariamente e, lamentavelmente, você tem uma parte da sociedade que, pelo alto grau de empobrecimento, ela é conduzida a pensar pelo estômago e não pela cabeça. É por isso que se distribui tanta cesta básica, é por isso que se distribui tanto tíquete de leite. Porque isso, na verdade, é uma peça de troca em época de eleições e, assim, você despolitiza o processo eleitoral. Você trata o povo mais pobre da mesma forma que Cabral tratou os índios, quando chegou no Brasil, tendo distribuído bijuterias e espelhos para ganhar os índios, eles distribuem alimentos. Você tem como lógica manter a política de dominação, que é secular no Brasil”.

Já presidente, num evento de 2009, em Belo Horizonte, Lula afirmou:
“Alguns dizem assim: o bolsa família é uma esmola, o bolsa família é assistencialismo, o bolsa família é demagogia. E vai por ai a fora. Tem gente tão imbecil, tão ignorante que ainda fala que o bolsa família é para deixar as pessoas preguiçosas, porque quem recebe o bolsa família não quer mais trabalhar”.  

Está visto, portanto, que, quando não é a compra direta de voto é a compra da consciência, da dignidade das pessoas, é a política de dominação pelo estômago, como bem disse o presidente, quando não era presidente. Só que, agora, também de forma oficializada.

A população divide-se em situação e oposição, ambas acoitadas na conveniência e na expectativa de obtenção de vantagens. Na situação, administram e desviam, entre os grandes, o orçamento público. Já os pequenos se deixam vender por vantagens concretas ou pelo que esperam receber, ainda que na forma de migalhas. Os da oposição também trazem tudo isso no currículo e apenas contam o tempo, hibernados na expectativa de, um dia, retornarem às tertúlias palacianas, onde se reparte os frutos da locupletação com as verbas públicas.

O que vamos dizer às nossas crianças, daqui a 10, 20, 30 ou mais anos? Que fomos covardes, omissos, negligentes, burros, irresponsáveis? A verdade é que, enquanto as pessoas de boa vontade dormem, a cidade cresce, desordenadamente, e junto com ela, os problemas, até o dia em que nos vangloriaremos ou amargaremos por ter tudo que uma cidade grande tem: o luxo e o lixo humanos!

Entrevista –31.05.2010

JOSÉ MARIA PEREIRA SILVA

(O Delegado)

Cativando vivos e sepultando mortos

Guarda municipal concursado, radialista por vocação, coveiro por amizade aos mortos; procriador compulsivo. Isso poderia ser a ementa do currículo de José Maria Pereira Silva, 55 anos, 4ª série primária, o popular “Delegado”, de Livramento de Nossa Senhora, Bahia, que reparte seu tempo e sua vida como guarda noturno do Mercado Municipal da cidade, locutor da rádio 96 FM, coveiro nas horas vagas, no cemitério local, e seus 12 filhos, quatro deles extras, como faz questão de esclarecer. No “mercadão”, afugenta tentativas de roubo; no cemitério, constrói últimas moradas; na rádio, comanda um programa de músicas sertanejas, das 5h às 7h; em casa, distribui amor. Homem simples, comunicador nato, que cativa o público do programa que mantém no rádio, tem idéias políticas claras, como dizer que o administrador público não deve servir apenas aos que o elegem e precisa conhecer os problemas da comunidade. O apelido de “delegado” vem da caixa de cimento dos túmulos onde “prende”, para sempre, os falecidos. Gentilmente, aceitou o convite do O Mandacaru, para a seguinte entrevista:

Delegado, como surgiu esse apelido pelo qual você é mais conhecido?

Fui convidado para fazer sepulturas, no cemitério, em 1997. Como coveiro, uma pessoa que faz túmulo, fazendo covas, e, você sabe, tem as caixas que a gente faz e ali coloca o cadáver, a gente vem com uma laje por cima, então, a gente aprendeu aquele dizer “tá preso”. Por isso, quando fui convidado a dar entrevista numa rádio, lá eles me apelidaram de “delegado”.

Como pessoa, como ser humano, quem é o delegado?

Sou eu!  Eu, José Maria Pereira Silva, anteriormente conhecido como filho de “Pedro Rezador”, que era como o pessoal conhecia meu pai, que nasceu aqui no Passa Quatro e eu, também, sou filho daqui mesmo do “Chicão” (localidade rural), do outro lado do rio (Rio Brumado). Meu pai faleceu em 1983, minha mãe morreu em 1980. E aí eu venho, nas minhas caminhadas, eu me casei em 1977, dia 21 de outubro, constitui família. Tenho oito filhos na minha família e tenho mais quatro extras, fora da família (risos).

Na sua atividade como coveiro, “prendendo” quem já está morto, que fato mais marcou você, lá no cemitério? Algum fato estranho que chamou sua atenção?
Não, nenhum fato, lá dentro do cemitério, não, a não ser abuso de poder, pessoas que pegam trabalho usando meu nome, roubando minha ausência.  Isso sempre acontece, é o que mais me deixa surpreso.

(Os coveiros realizam trabalhos avulsos, no cemitério, onde são procurados. Por isso, o que se ausenta corre o risco de perder a encomenda para os outros).

Ou seja, os vivos lhe perturbam mais do que os mortos!
Os mortos são meus grandes amigos, porque nunca me perturbaram, até agora. Já os vivos, ao redor, me perturbam, porque trabalham com a gente, não procuram ajudar, procuram abusar, se divertir com a cara da gente.

Qual é o tipo de abuso?

No caso, um tipo de abuso, por exemplo, o senhor chega lá e procura por mim: “cadê o Delegado está? Eu quero falar com ele”. Então, eles lá dizem assim: “aqui não tem Delegado não”. Se a pessoa disser “eu quero falar com Dedé (outro apelido do Delegado), então”, eles dizem “ele não mexe com isso aqui não, ele é difícil vim por aqui”, e sendo que eu estou atuando lá, todos os dias.

São seus próprios companheiros de trabalho!

É, os próprios companheiros de trabalho são os primeiros a abusar e tirar o pão de minha boca. Mas não tem problema não, isso é coisa da vida.

Você já trabalhou de noite no cemitério?

Não, já sepultei pessoas que vem assim de longe, de São Paulo, às vezes até de Salvador. Já sepultei gente até 2h da manhã.

Você já viu algum morto, algum fantasma “passeando” pelo cemitério?

Não, o fantasma que eu conheço até agora é nós vivos.

E você já ouviu alguém contar alguma história de fantasma, em nosso cemitério?

Não é pelo fato de eu trabalhar no cemitério que eu não acredito. Já vi pessoas de idade, pessoas do antepassado, que é o jeito de dizer, falar sobre visagem. Mas eu não posso falar isso, que nunca vi. Eu vejo os vivos atrapalhando um ao outro, abusando, né.

Quando você passou a se dedicar ao rádio, como surgiu o delegado radialista?

Primeiro fui convidado para dar uma entrevista em uma emissora que hoje é a que trabalho, eu trabalhava em outra. Trabalhei em uma, 105, um ano, trabalhei na Nova FM seis anos e, agora, a que eu estou, que é a 96 FM, há um mês que estou lá. Quando me chamaram lá, na entrevista, era exatamente para saber isso mesmo que você está me perguntando, agora, que é o cemitério, porque e tal... O cemitério, vou até falar, é um lugar de muito respeito. É uma casa santa, é um lugar santo, eterno. Porque, às vezes, muitas pessoas confundem, usa o cemitério para se esconder, para usar drogas. Às vezes, tem gente que quer até abusar de sexo e lá não é lugar disso.

Quer dizer que pessoas vão para lá consumir drogas ou ter encontros sexuais, por ser um lugar escondido?

É, teve uma época que eu tive de abordar algumas pessoas, mas vi que as autoridades é que deveriam tomar parte, mas não tiveram esse conhecimento.

Quer dizer que você denunciou?

É, às vezes, a gente denuncia, não falando o nome da pessoa, que as polícias sempre ali presente, que sempre fossem ao cemitério, para fazer uma visita, porque seria muito importante, não só à noite, o dia também necessita. Necessitava, naquele tempo, que hoje melhorou também.

Mas quem mais procura o cemitério, pessoas que querem consumir drogas escondidas ou casais?

Não, hoje, isso acabou, graças a Deus. Hoje, com esse monsuléu (mausoléu) que foi construído, o pessoal vem em busca de visita, que é do nosso amigo Zio Machado, inclusive eu trabalho lá junto com ele. O pessoal vem de longe, de muitos lugares, hoje é um cemitério, mas ficou como um ponto turístico, por causa do monsuléu que foi construído.

Qual é a parte boa de trabalhar no cemitério?

Para mim, se eu hoje fosse, assim, um jardineiro, trabalhar de fiscal não é muito fácil. Eu hoje sou pedreiro, faço túmulo, carneiro. Agora, a parte melhor de trabalhar, como as senhoras que trabalham lá cuidam dos túmulos, fazendo limpeza, lavam. Aí já é uma parte melhor. E molhar o jardim, isso aí, sim.

Você convive com a realidade da morte, imagino que já enterrou muita gente. O que isso significa para você? Quantos você já enterrou?

Eu já abrangi aí por volta de 1.500. Tem vez de morrer 12 ou 15 por mês e tem vez de passar 30 a 40 dias sem falecer ninguém.

Como é que você vê a morte?

Eu, não só porque trabalho no cemitério, eu vejo a morte como um nascimento. Se eu não nasci, nada para mim existiu.  Então, após a morte, diz que tem outra vida. Que Deus me perdoa, não posso dize, não sei se tem. Se você não nasceu, você não morreu.Se morreu, cabou (acabou), eliminou, para mim, eu vejo assim. Sou católico, mas, dessa maneira, eu me enxergo assim. Se tal coisa acontecer daqui pra frente, eu posso voltar ao rádio ou ao jornal e fazer uma entrevista e dizer “ó, aquele dia eu falei assim, só que mudou”, mas, por enquanto, é isso que to (estou) te falando.

O que você gosta mais de fazer no rádio?

O rádio é um veículo de comunicação que todos nós sabemos, o senhor também, como jornalista, sabe, nós não podemos falar uma coisa que não tem certeza, você tem que levar a mensagem às pessoas com muito carinho, muito respeito e com qualidade. O que eu faço hoje, eu me sinto bem. Eu busco uma cadeira de roda para alguém, no rádio, um documento perdido e outras coisas mais e me sinto bem trabalhar, porque o povo quer e gosta. Eu me sinto bem no rádio, dessa maneira. Lá faço o trabalho que o povo quer e eu também gosto, é levar a comunicação ao povo de Livramento, entretenimento, é também falar de algumas coisas que a gente precisa falar, a verdade, porque no rádio você não pode lançar uma mentira, porque não tem jeito de você devolver mais, se você falou tá falado. E o povo (se) adaptou muito ao meu tipo de trabalhar, gostou e eu tô (estou) continuando a trabalhar no rádio. E espero que seja melhor, não só pra (para) mim, mas pra todo povo de Livramento.

O que os ouvintes mais pedem a você?

Eles me pedem muito para eu falar o que (se) passa na cidade, nas escolas. Até em festas... notícias assim. Mas acontece que, às vezes, a gente não está preparado. Porque, hoje, nesse meio de comunicação, o locutor, ele faz tudo sozinho. Se alguém ligar para mim, na rádio, rapidamente, ali, vou ter que anotar tudo para eu falar (geralmente as pessoas que ligam ficam fora do ar). Tem que ser eu e a pessoa testemunha, eu falando e ela, que me deu aquela mensagem , ser testemunha, porque... veja só, as pessoas falam “Dedé, Delegado, faleceu alguém em tal lugar”, eu não posso sair da rádio para ir lá saber se aquela pessoa faleceu. A única coisa que tenho que fazer é colocar o nome de uma pessoa da família, o endereço, porque se tal fato não tiver acontecido, aquela pessoa vai ter que pagar junto comigo.

Ou seja, você não teria como confirmar, na hora?

Não teria. Então, o povão tá ouvindo, vai ser testemunha. A pessoa ligou fora do ar. Estou até levando ao diretor para, nesses casos, deixar colocar a pessoa no ar. Assim, fica uma coisa mais precisa.

O que as pessoas pedem mais na rádio, música ou informação?

O pessoal, geralmente, gosta mais do modão (vem de moda, mesmo que canção) sertaneja. Pedem muita música. Para as pessoas que fazem aniversário, querem uma mensagem.

Quem mais procura, o pessoal da cidade ou da zona rural?

Da cidade. Mas as comunidades, a zona rural pedem muito, também. Quem trouxe a música sertaneja para o rádio foi eu. Todas as músicas, anteriormente, Cascatinha e Inhana, Lourenço e Lourival, Abel e Caim, Jacó e Jacozinho e outros mais fui eu que trouxe para o rádio.

Para você, qual é o papel do rádio, hoje, no mundo?

Em primeiro lugar, é a gente ter sempre uma pessoa para entrevistar: um médico, que é muito importante; um juiz; um promotor. Livramento, até agora, não conseguiu isso. Nós precisamos ter esse tipo de gente. Por exemplo, nós temos, hoje, na rádio 96 FM, um padre, depois do meu horário (5h às 7h). Mas precisamos ter um promotor, para dialogar e abrir com o povo; um médico explicando problemas de doenças em nossa cidade. Nós vivemos hoje num meio de comunicação muito inseguro, onde, às vezes, você quer mostrar e falar a verdade, mas alguém tenta atingir o locutor.

Você já foi vítima de censura, nesse sentido?

Eu sou um amador, não sou um locutor formado, aquele tipo que fala “do povo”, uma pessoa do povo e pretendo ser do povo. Porque, às vezes, as pessoas dizem “ah, será que isso aconteceu não foi por que você falou aquilo?”. Não, nem sempre. Mas a verdade dói, porém temos que falar, tem que esclarecer.

Em que tipo de situação, no rádio, as pessoas não gostam que a verdade seja dita?

Às vezes, é você falar em político. Quando você fala em político, você é odiado, você é sacrificado, você é ignorado. Hoje, não só em Livramento, mas no Brasil inteiro, se você gosta muito da verdade, você não serve para ser alguém do povo.

Em sua opinião, por que os políticos não gostam que as verdades sejam divulgadas?

Porque, veja só, eles, começando dos grandes, que são os presidentes, eles tentam abordar uma tábua, que, por cima, você olhando, tá linda e maravilhosa. Quando você vira, do outro lado, ela está podre. Por que ela está podre? Porque só está mostrando a parte de cima. Porque, quando você vai a uma cidade, como Brasília, ninguém mostra a favela, só os grandes centros. Para você conseguir chegar até aquele local (a favela), para fazer uma reportagem, você corre risco de perder sua vida. Se não fossem a televisão, os jornalistas, os comunicadores de rádio e televisão, o mundo estaria de cabeça pra baixo, porque estaria tudo escondido naquela tábua que falei anteriormente: por cima, linda e maravilhosa, por baixo, toda podre.

Como comunicador, como radialista, você é um observador atento da nossa realidade. O que você acha que falta para melhorar nossa cidade?

É. Eu já disse isso, muitas vezes, no rádio que, sem a saúde, a gente não bebe, não come, não trabalha, não namora, não estuda. Que fundamental, em todo lugar do Brasil e do mundo, claro, é a saúde. E nós vemos que isso, no país, anda meio arrasado, porque você vai ao médico, ao hospital, seja onde for, você perde um tempo terrível, sentindo mal, ali, e ninguém quer atender. O que não posso entender é que tanto médico se formando todo ano e faltam médicos nos hospitais. Não sei o que vem ocorrendo com o presidente ou seja lá quem for, que é dono disso aí. Fica difícil! E sem saúde você vai viver como? Eu sempre falo pra meus amigos: “olha, você pode ter o que tiver, não tendo saúde você não tem nada e acaba morrendo na miséria, por que sem saúde você não come, você não bebe”. E as prioridades do mundo, em primeiro lugar, é saúde, segundo educação, saneamento básico, que faltam em todas as cidades do Brasil.

Do que é que as pessoas mais reclamam junto à rádio?

Saúde. Saúde é a prioridade do povo. Eles falam muito que, no buscar, eles se sentem, talvez, não sei o que há por detrás, que pessoas vão procurar o médico, em há aquela demora e a pessoa se sente angustiada. Às vezes, até desmaia, não só no sentido de dizer de Livramento, mas de todos os lugares do Brasil, que vem acontecendo isso. Corredores e corredores cheios de enfermos, que não tem nem cama, nem lugar. E, aí, fica uma situação difícil, porque hoje, se eu pudesse dar uma entrevista , eu queria dar na Rede Globo, pra que o Brasil todo sentisse o que eu sinto pelo povo. Porque, agente quando passa a ser qualquer coisa do povo, que você seja um vereador, que você seja o prefeito, que você seja o comunicador do povo, um jornalista, começa a sentir na pele o que passa entre ele e família, e também o povo, que não tem separação, que vem de uma nação só, tudo é família.

Se você fosse entrevistado, o que você diria ao repórter da Globo?

É isso que to acabando de dizer pra você, que a prioridade do Brasil e do mundo é a saúde, que é muito abalada no Brasil e não tem ninguém que resolve esse problema. Outra, a educação. Nós temos lugares no Brasil, em capital e interiores também, que vem o dinheiro e os alunos estão sentados no chão, numa esteira. Depois da saúde e a educação, vem a Secretaria da Justiça, que precisa melhorar aquele padrão de atender o povo, com mais educação, mais respeito. Quem paga por isso somos nós, quem paga o hospital somos nós. Se você compra uma caixa de fósforos, você está pagando impostos, o que muitas pessoas, às vezes, não sabem. As pessoas ficam achando que não, mas cada cidadão tem o seu direito. E, quando a gente vai buscar esse direito, alguém acha que nós não temos razão. Temos sim. Se somos brasileiros, se somos irmãos, temos que entender isso aí.

Se você fosse prefeito, o que faria, hoje, para melhorar nossa cidade?

Veja só, ser prefeito, eu sei que não é fácil. Porque, às vezes, o povo chama a gente até de “imprefeito”. Hoje, há umas coligações que não são para o povo, são só para partidos. Se eu for um prefeito, amanhã ou depois, ou um vereador, será que vou ter que fazer aquilo que os grandalhões, lá fora , querem? Não. Eu vou ter que fazer aquilo que pesou nos meus ombros. E o que pesou? A pessoa, quando passa a pegar um cargo político, ela tem que olhar uma coisa: não pode deixar os dois ombros abaixados. É um só. Quando abaixar um, ele tem de suspender o outro. Porque ele tá querendo o melhor para o povo. Porque só serve pra ser assim, quem é do povo. E tem que ser do povo. Porque a pessoa me procura, então só vou servir a ele se me colocou lá dentro? Não. Não existe isso. A cidade é de todo mundo. Não ver aquela conversa: “Bahia de todos nós”? Não é o administrador geral, que existe em toda cidade, que é o prefeito, mas os que vivem ao redor dele, que, ao invés de ajudar ele, procura é jogar ele no buraco.

Você já pensou em ser político?

Olha, fazer como diz o outro, “pensar é muito fácil”. Agora, chegar lá não é muito fácil não. Porque se for, eu, por acaso, algum dia, convidado para ser um vereador, não tem de ser convidado por partido, tem de ser convidado pelo povo. Porque, o político, a partir daquele dia, ele não vai conviver só com a família dele, ele tem de conviver com o povo dele. Não é o povo que votou com ele, não. É o povo em geral, da cidade inteira. Aqui faltou água, acolá, esgoto. Ele tem que buscar isso aí. O ponto certo do vereador é buscar e levar o administrador geral e mostrar: “aqui nesta rua, tá faltando água, naquela rua lá, do outro lado, não tem um poste de luz”. Mas, hoje, não é bem assim.

Que nota, de zero a dez, você daria, hoje, para nossos políticos?

No Brasil inteiro, hoje, tá uma falha terrível. Eu não sei se os antepassados deixaram para os que entraram agora. Porque falam que estão pagando rombos de Previdência, carros que não foram pagos e outras coisas mais. Então, fica uma resposta assim: eu dou nota cinco, só. Para nenhum administrador do Brasil eu dou mais de cinco. Só dou 10 para Lula. Não é porque ele é presidente, mas porque foi o único que olhou para a classe fraca (pobre). Mas o resto só fez tirar o couro. (Depois da entrevista, o Delegado pediu para fazer uma ressalva. Dava nota 8 para a Saúde).

Quem você acha que vai ganhar (a eleição presidencial) Dilma Rousseff, José Serra ou Marina Silva?

Não estou acompanhando muito o trabalho dos candidatos, mas quem está com a chave na mão é Lula, ele é que está com tudo, mas precisa trabalhar muito. Mesmo com a chave na mão ele pode perder a chave e não achar nem o buraco da fechadura.

Vamos falar de música sertaneja. O que você acha da nova e da novíssima (agora já tem) música sertaneja?

Nós temos a juventude que gosta do rock, da balada e outras coisas mais. Mas nós temos aquele pessoal – dos 30 pra frente – que gostam da música sertaneja de raiz, que é o modão que não acaba, sempre está de pé, é o Tião Carreiro e Pardinho; e outros mais. Agora, temos o axé, na Bahia, que não é o meu ramo. Meu trabalho é música sertaneja. Muitas vezes, as pessoas me pedem outra música, mas os pedidos devem ser do mesmo gênero do fundo musical tocado no programa, que é sertanejo.

O que o pessoal mais pede, música sertaneja antiga ou atual?

Hoje, é dividido. A música sertaneja antiga eu toco muito, como “Flor do Cafezal”, de Cascatinha e Inhana. Mas toco também Leonardo, que tem muita música antiga que ele canta. Até musica de Waldick Soriano, que no sertanejão que trabalho dar para cair, também o Daniel.

Mas você atende os pedidos ou mantém o que você chama de sertanejão?

Eu atendo. Mas a música caipira é uma e a sertaneja é outra. A caipira tem de ser tocada mais 4h às 5h. De seis horas em diante você pode jogar mais a música sertaneja. Mas pode fazer uma mistura, não tem problema.

Mas, dentro da música, na toada, qual é a diferença entre caipira e sertaneja? Não é a mesma coisa?

Não. A música caipira é mais cantada, assim, bate mais forte. Parece que ela lê a vida de cada um de nós, o passado nosso. Marca momentos da vida da gente, o engenho da roça, a despedida.

Qual seu cantor sertanejo preferido?

Tião Carreiro e Pardinho, Lourenço e Lourival. Tem também Abel e Caim. Teodoro e Sampaio, que gosto demais.

Mais alguma coisa que não perguntei, que você gostaria de falar?

Fazer como diz o outro, se tiver mais alguma coisa... Sempre a gente deixa a desejar, nunca a gente completa... Eu tenho o dizer de um amigo que “o homem morre e não alcança seu objetivo”. Eu tinha mais algumas coisas para falar, mas agora, de momento, a gente deixa, senão vai crescer demais...

E, por falar nisso, qual é o objetivo do homem, na vida?

Em primeiro lugar, me sinto, assim, um pouco evangélico, como diz o caso, o objetivo do homem é amar a Deus. Segundo, ele amar ele mesmo, aprender - uma palavra que vou expressar, aqui, você pode até cortar, depois - ficar nu, admirar a pessoa que ele é, enxergar, pegar com suas próprias mãos o que é dele, que é importante. Porque, você imagina, um homem que é cego e aleijado, ele quer viver. E qual é o objetivo do homem, de todos nós. É viver e crescer. É como a ciência diz: “crescei e multiplicai” (na verdade, quem disse foi Jesus Cristo). É o que eu acho, pra mim, né. Agora, nunca deixe de amar você primeiro, para depois você aprender amar os outros. Antes, tire o cisco de seu olho, para você olhar no outro.

Você tem muitas tiradas filosóficas. Agora, conta para nós qual o segredo para, aos 55 anos (completa em 4 de junho), para ter e cuidar de tantos filhos?

O segredo, em primeiro lugar, é, acima de tudo, gostar de mim mesmo e cuidar da minha família e aprender, dentro da própria família, que é o alicerce que a gente tem: a esposa, filhos. Apesar de que, eu tenho dito, esposa não tem sangue de homem (marido), quem tem são nossos filhos. Isso é o que acho, dentro de um padrão de pai de família, ele assumir aquela responsabilidade da sua casa. Como diz Waldir Pires: “quando eu for lembrar de dar um chinelo a alguém, eu tenho que dar os meus primeiros”. Só que ele teria dito de outro modo, eu não ouvi, que “ficaria descalço para ceder seu chinelo a alguém”.

Agradecemos a entrevista e fique à vontade para dizer alguma coisa, para encerrar!

Em primeiro lugar, gostaria de parabenizar a você, que é um homem forte, corajoso. Porque muita gente pensa que homem forte e corajoso é aquele que vai brigar, lutar. Não. Homem forte e corajoso é aquele que vê a sujeira e vai lá limpar, não aumentar aquela sujeira. Então, você, com seu jornal, O Mandacaru, está de parabéns. Não é porque estou aqui dando essa entrevista, mas já ouvi falar do seu trabalho e dentro de mim eu me sinto orgulhoso de Livramento ter um cidadão, filho da terra, como você, que é o Raimundo Marinho, que todo mundo conhece, não puxa nem para um lado nem para o outro, é aquilo que é de Cesar é de Cesar, o que não é não é. Às vezes, tem jornalistas que procuram crescer encima das misérias dos outros e é o que não vejo em vossa senhoria. E muito obrigado, boa sorte para você, que permaneça firme e forte no seu trabalho!

 

Copa e São João – 31.05.2010

Livramento entra no clima junino

A cidade de Livramento de Nossa Senhora, Bahia, já entrou no clima dos festejos juninos e da Copa do Mundo de futebol. O centro comercial já se encontra totalmente embandeirado (foto). Estão previstos quatro dias festas – 23 a 26 de junho, com apresentação de várias bandas de forró. Os locais tradicionais de festas é a antiga Praça da Bandeira e os bairros Estocada, Passa Quatro e Rua do Areão.

 

Tratamento da água – 31.05.2010

Filtro da Barrinha foi restaurado

O filtro que havia no chafariz do povoado de Barrinha, em Livramento de Nossa Senhora, Bahia, foi restaurado e já se encontra em funcionamento. Análises feitas anteriormente indicaram que a população estava consumindo água com alto índice de contaminação por coliformes fecais. A denúncia, feita pela Associação dos Assentados do Bloco II do projeto de irrigação do DNOCS, chamou a atenção das autoridades, que agilizaram a recolocação do equipamento.

As pessoas necessitam ir ao chafariz para coletar a água. Assim, o filtro não resolve definitivamente o problema, pois a água encanada para as residências continua contaminada. O local exige pelo menos uma mini estação de tratamento.

CRECHE TEM CAIXA D’ÁGUA DE AMIANTO

A maior gravidade, agora, envolve a creche local, onde as crianças consomem água armazenada em uma antiga caixa de amianto, embora seja colocada, depois, em tradicionais filtros domésticos. Suspeita-se que essas caixas eliminam substâncias que causam câncer.

Barrinha talvez seja o mais importante povoado próximo da sede do município de Livramento, mas vive em completo abandono. A indiferença das pessoas e, principalmente, a desunião entre as lideranças comunitárias contribuem para agravar a situação.

 

 

 

Projeto do Senado – 20.05.2010

Políticos podem ser obrigados a
colocar filhos em escola pública

Senador Cristóvão Buarque, ex-ministro da Educação

O senador Cristóvão Buarque, ex-ministro da Educação do governo Lula, teve talvez a melhor idéia republicana do pós-ditadura, no Brasil. Incansável defensor da educação como fator de desenvolvimento e única chance dos mais pobres melhorarem de vida, ele luta pela melhoria da qualidade do ensino público do país. Certamente, sem ver outra possibilidade de isso ocorrer, ele apresentou um projeto inédito ao Congresso Nacional (PLS nº 480/2007), que obriga a todos os agentes públicos eleitos (vereador, prefeito, deputados, governador, senador e presidente) a matricularem seus filhos somente em escolas públicos.

A idéia, que tem se ressentido de melhor divulgação, é sensacional, irrecusável e incontestavelmente a mais democrática que poderia haver. Só assim para melhorar nossa educação e a qualidade de vida do povo brasileiro, pois, quando os políticos se virem obrigados a colocar seus filhos na escola pública, vão fazer tudo para melhorar a qualidade do ensino no país. A aprovação do projeto só depende, agora, da pressão da opinião pública, representada, sem dúvida, pela maioria dos interessados e dos eleitores. Leia, a seguir, a íntegra do projeto e a justificação do senador:

PLS - PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 480 de 2007

Determina a obrigatoriedade de os agentes públicos eleitos matricularem seus filhos e demais dependentes em escolas públicas até 2014.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º

Os agentes públicos eleitos para os Poderes Executivo e Legislativo federais, estaduais, municipais e do Distrito Federal são obrigados a matricular seus filhos e demais dependentes em escolas públicas de educação básica.

Art. 2º

Esta Lei deverá estar em vigor em todo o Brasil até, no máximo, 1º de janeiro de 2014.

Parágrafo Único. As Câmaras de Vereadores e Assembléias Legislativas Estaduais poderão antecipar este prazo para suas unidades respectivas.

JUSTIFICAÇÃO

No Brasil, os filhos dos dirigentes políticos estudam a educação básica em escolas privadas. Isto mostra, em primeiro lugar, a má qualidade da escola pública brasileira, e, em segundo lugar, o descaso dos dirigentes para com o ensino público. Talvez não haja maior prova do desapreço para com a educação das crianças do povo, do que ter os filhos dos dirigentes brasileiros, salvo raras exceções, estudando em escolas privadas. Esta é uma forma de corrupção discreta da elite dirigente que, ao invés de resolver os problemas nacionais, busca proteger-se contra as tragédias do povo, criando privilégios. Além de deixarem as escolas públicas abandonadas, ao se ampararem nas escolas privadas, as autoridades brasileiras criaram a possibilidade de se beneficiarem de descontos no Imposto de Renda para financiar os custos da educação privada de seus filhos.

Pode-se estimar que os 64.810 ocupantes de cargos eleitorais - vereadores, prefeitos e vice-prefeitos, deputados estaduais, federais, senadores e seus suplentes, governadores e vice-governadores, Presidente e Vice-Presidente da República - deduzam um valor total de mais de 150 milhões de reais nas suas respectivas declarações de imposto de renda, com o fim de financiar a escola privada de seus filhos alcançando a dedução de R$ 2.373,84 inclusive no exterior. Considerando apenas um dependente por ocupante de cargo eleitoral.

O presente Projeto de Lei permitirá que se alcance, entre outros, os seguintes objetivos:

a) ético: comprometerá o representante do povo com a escola que atende ao povo;

b) político: certamente provocará um maior interesse das autoridades para com a educação pública com a conseqüente melhoria da qualidade dessas escolas.

c) financeiro: evitará a "evasão legal" de mais de 12 milhões de reais por mês, o que aumentaria a disponibilidade de recursos fiscais à disposição do setor público, inclusive para a educação;

d) estratégica: os governantes sentirão diretamente a urgência de, em sete anos, desenvolver a qualidade da educação pública no Brasil.

Se esta proposta tivesse sido adotada no momento da Proclamação da República, como um gesto republicano, a realidade social brasileira seria hoje completamente diferente. Entretanto, a tradição de 118 anos de uma República que separa as massas e a elite, uma sem direitos e a outra com privilégios, não permite a implementação imediata desta decisão.

Ficou escolhido por isto o ano de 2014, quando a República estará completando 125 anos de sua proclamação. É um prazo muito longo desde 1889, mas suficiente para que as escolas públicas brasileiras tenham a qualidade que a elite dirigente exige para a escola de seus filhos. Seria injustificado, depois de tanto tempo, que o Brasil ainda tivesse duas educações - uma para os filhos de seus dirigentes e outra para os filhos do povo -, como nos mais antigos sistemas monárquicos, onde a educação era reservada para os nobres. Diante do exposto, solicitamos o apoio dos ilustres colegas para a aprovação deste projeto. Sala das Sessões, Senador CRISTOVAM BUARQUE.

Cassação de diploma – 20.05.2010

Ainda não houve julgamento no TRE

Existe “uma central de boatos” em Livramento de Nossa Senhora, Bahia, que, nas últimas semanas, tem divulgado notícias falsas dizendo que o prefeito Carlos Roberto Souto Batista fora cassado. Não há qualquer verdade nisso, embora a qualquer momento possa sair uma sentença do Tribunal Regional Eleitoral - TRE, definindo o processo que pede a cassação do seu diploma de eleito. Se e quando for condenado, aí sim, haverá a extinção do seu mandato. No processo, ele é acusado de abuso de poder econômico e político, abuso de autoridade e captação ilícita de sufrágio (compra de votos).

Entretanto, a decisão, que é aguardada com ansiedade pela oposição e situação, tanto poderá condenar como absolver o prefeito. Tem alguém constantemente de olho no site do TRE e a cada andamento do processo, imediatamente a boataria corre solta pela cidade. Começou com a divulgação do parecer do procurador eleitoral, que opinou pela procedência do pedido de cassação.

Embora essa opinião seja indício forte para se pensar em uma decisão condenatória, a ela não se vincula, necessariamente, o juiz da causa, que poderá ter entendimento contrário, dependendo do que mais houver nos autos do processo. Entre os correligionários do prefeito, há um justificado temor e, para os oposicionistas, a cassação é só uma questão de tempo. Há até quem já esteja se preparando para novas eleições!

O Mandacaru” tem sido muito procurado por pessoas que buscam informações claras sobre o assunto. Tudo que sabemos é o acima dito, acrescentando que não houve julgamento, a última movimentação do processo foi em 18.05.2010, dizendo que os autos foram encaminhados, pelo juiz relator, para o juiz revisor. Após passar pelo revisor, provavelmente será colocado em pauta de votação definitiva. E a decisão do TRE ainda será passível de recurso para o TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Portanto, não acreditem nem espalhem boatos. Busque a informação correta, no site do TRE ou junto a quem sabe. O certo, hoje, é que o “prefeito dos livramentenses” continua sendo o “prefeito dos livramentenses” e, certamente, tem muito que fazer, deixe-o trabalhar!

Limpeza urbana – 13.05.2010

Lixão bem no meio da cidade

Um lixão se formou em uma das mais nobres áreas de expansão da cidade de Livramento

A cidade de Livramento de Nossa Senhora, Bahia, tem sua beleza ofuscada pelo lixo e, principalmente, pelos entulhos, jogados em qualquer lugar, ao gosto do freguês, e pelo matagal em que se transformaram seus terrenos baldios. Não há pudor dos moradores em descartar o que não presta em qualquer lugar; nem da Prefeitura, que não fiscaliza nem faz cumprir o Código de Postura (Lei Municipal que regula a ocupação e uso do solo e dos espaços públicos).

Mas nada supera a grandeza do lixão que já se formou no prolongamento sul da Av. Dr. Nelson Leal, um deplorável cartão postal da cidade. O que deveria ser uma aprazível avenida, necessária opção de ligação da sede com o bairro Taquari, se tornou uma inconcebível lixeira. Tem de tudo: carniça, entulhos, coco vazio, lixo doméstico, vasilhames, embalagens, restos de material de construção, carcaças de aparelho de TV, calçados, roupas, sacos de terra. Enfim, tudo que um lixão pode oferecer. Para piorar as coisas, há quem vai ao local só para tocar fogo, aumentando o risco à saúde das pessoas que trabalham ou residem na vizinhança.

Trata-se de rua em formação, sem calçamento, paralela a uma das avenidas mais movimentadas da cidade, a Leônidas Cardoso, entrada principal de Livramento. Consta que os terrenos em volta pertencem a uma imobiliária, cujos proprietários nada fazem para evitar o problema. Bem próximo, ajudando a compor o deprimente cartão postal, situa-se o mais vergonhoso monumento da degradação do lugar, obstruindo a expansão urbana, que é a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), ironicamente batizada de “pinicão”.

Uma carcaça de TV (1ª foto) e saco com carniça desconhecida (2ª foto) no meio do lixão

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Comentário – 13.05.2010

Lei de Anistia e tortura no Brasil

Por Jadher Assunção

Gostei muito de ver publicado n’O Mandacaru algo que tratasse de um período sanguinário e mal resolvido que é a Ditadura Militar. O Brasil saiu de seu jugo, mas ainda carrega seus problemas e pouco se preocupa em fechar as feridas daqueles anos de chumbo. Vejo, no artigo de Emiliano José, uma postura coerente de oposição contra a decisão equivocada do STF e sobre ela darei um pouco de atenção.

Componente da mais alta corte de justiça do Brasil, a ministra Ellen Gracie votou lamentavelmente contra a revogação da Lei de Anistia, assim como a maioria de seus colegas. Essa lei caduca foi feita pelos próprios militares para se “auto-perdoarem” dos assassinatos, prisões ilegais, desaparecimentos e torturas de opositores. Sobre isso, Ellen Gracie disse que desconsiderar esses crimes cometidos por agentes do Estado seria fundamental para consolidar a democracia. Disse isso mesmo? Sim. Dessa forma, o Brasil desrespeitou leis internacionais que condenam todo o tipo de tortura e mostrou à sociedade que os problemas a serem resolvidos ainda são empurrados para debaixo do tapete.

Para quem não sabe, o Brasil é um país signatário de vários tratados internacionais que dizem que todo o crime de tortura, em qualquer tempo, devem ser apurados e severamente punidos. Essa norma está presente na nossa Constituição Federal de 1988, que diz que o crime de tortura não prescreve. Ora, se a Constituição Federal está em desacordo com a Lei de Anistia, quem está acima de quem? Nesse e noutros casos, manda a Constituição e, por isso, a Lei de Anistia deveria ter sido revogada desde 1988. Contudo, em vez de cumprir a lei maior e punir os militares torturadores, o STF — corte guardiã da lei das leis — simplesmente decidiu por desrespeitar a Constituição para agradar a uma dúzia de pessoas que acha que está tudo bem.

Hoje, no Brasil, infelizmente, há torturadores vivos e recebendo dinheiro público. Muitos estão no cenário político (Curió, Paulo Maluf, Romeu Tuma), alguns ainda no Exército — coronel Ustra, que matou cento e onze pessoas no Carandiru —, poucos aposentados e a maioria, para o bem geral da nação, estão mortos (Geisel, João Figueiredo e Médici). Entretanto, o número de vítimas da tortura chega facilmente aos milhares. São pessoas que, à época da ditadura, pagavam impostos e o único serviço público que receberam foi prisão, espancamento, a morte, estupro, ameaças, privações. Essas vítimas eram estudantes, operários, professores, políticos, mulheres grávidas, jornalistas, camponeses e cidadãos comuns. Quase todas as vítimas desconhecem, nos dias atuais, algum tipo de reparação pelos crimes que sofreram. E eles não querem dinheiro e, sim, justiça. Basta isso. E o mínimo a justiça brasileira não faz, mostrando-se, assim, incapaz de responder a uma sociedade que clama por um esclarecimento de um tempo em que era proibido pensar por conta própria.

Caminhando na contramão da história, o Brasil não revoga a sua Lei de Anistia e mantém livres os verdadeiros criminosos do país. A Argentina, por sua vez, dá um sinal de civilidade avançada ao rever sua lei de anistia sem revanchismo, por saber que o povo argentino necessita que a questão dos desaparecidos políticos, torturados e assassinados seja resolvida para nunca mais ser repetida. É o que o Brasil também precisa: solucionar antigas feridas para que elas nunca mais voltem a agredir o brasileiro.

De modo sábio, Emiliano José parodia o livro do uruguaio Eduardo Galeano: As veias abertas da América Latina. Nessa obra, há relatos de como é construída a história dos povos latinoamericanos. São golpes de Estado, desrespeito aos direitos humanos e desigualdades sociais gritantes. E superar esse clima de guerra depende também de punição a quem comete crimes contra o povo, principalmente quando tem o Estado, o Exército e dinheiro público para torturar. Assim, para eliminar a doença da tortura que se mantém no Brasil, precisamos antes abrir-lhe as veias para detectar a moléstia e, logo após, curá-la. Tomara que a OEA e ONU ajudem a justiça brasileira a conduzir a questão de crimes imprescritíveis de uma forma mais adequada e racional, punindo os militares/torturadores, limpando o nome das forças armadas sem revanchismo e revelando à sociedade — por meio da abertura dos arquivos da ditadura — o que houve nos anos de chumbo.

Não acho que a democracia brasileira deva se sustentar na impunidade para existir. De fato, muitos ex-guerrilheiros deram a vida para dar a nós a liberdade de expressão, mas não significa que os torturadores não devam ser punidos. Quem estuprou, torturou, assassinou e espancou tem de pagar pelos crimes desumanos que cometeu. Para o bem da credibilidade das forças armadas, em memória de quem lutou contra a ditadura, para fazer a justiça funcionar de fato e para respeitar as leis nacionais e internacionais.

Por fim, apresento neste endereço eletrônico um motivo “simples” para que haja punição aos torturadores: http://blogdaamazonia.blog.terra.com.br/2010/03/28/lembranca-dos-crimes-da-ditadura-militar-fazei-isso-em-memoria-delas/. É justo e necessário que o Brasil diga a quem quer que seja que não mais se tolerará desmandos no país. Portanto, revogar a Lei de Anistia é essencial para impossibilitar desrespeitos aos direitos humanos. Assim, o Brasil fortalecerá sua frágil democracia e fará justiça ao eliminar do quadro de funcionários e aposentados sustentados com os impostos do cidadão os torturadores, estupradores e assassinos disfarçados de militares.

Aos leitores d’O Mandacaru, peço um último minuto de atenção. A OAB do Rio de Janeiro está fazendo um abaixo-assinado para abrir os arquivos da ditadura. É fácil, rápido e simples assinar: basta seu nome e RG. Não é nenhum vírus, mas um movimento sério. Devemos saber o que os militares fizeram de fato — quem eles assassinaram, onde estão os corpos das vítimas, quem deu ordens para matar — no intuito de haver uma punição melhor a cada responsável pelas brutalidades. Acesse e assine: http://www.oab-rj.org.br/forms/abaixoassinado.jsp.

Desde já, agradeço este espaço e parabenizo o seu redator por se preocupar com a construção da história do Brasil e de uma sociedade baseada na justiça e respeito aos direitos humanos. Em homenagem ao professor de História Renato Afonso, economista, ex-guerrilheiro do PCB-R, vítima da tortura nos porões da ditadura em Salvador.

Comentário – 10.05.2010

As veias abertas da tortura

Por Emiliano José

Deputado Emiliano José, jornalista e escritor

Há uma máxima absolutamente discutível segundo a qual decisão da Justiça não se discute. É óbvio que se discute e se critica. Foi equivocada a decisão do STF de rejeitar ação da OAB que pedia que a anistia não valesse para torturadores, o que parece quase óbvio. Qual a razão que podia ter um torturador? Que amparo haveria no direito para um torturador? E quem disse que a anistia considerou que torturadores não podiam ser alcançados pela lei? Em que artigo da lei da ditadura está dito que era permitido torturar? Quando é que a ditadura legislou ou decretou alguma coisa que dissesse "é permitido torturar"? Ela não teve essa coragem.

A tortura era uma determinação da ditadura.Vinda de cima. O crime vem de cima e chega aos escalões inferiores, que cumprem ordens, alguns com imensa satisfação. Ganhou intensidade a partir do final de 1968 e seguiu com ferocidade até o final do governo Geisel. Como disse o próprio general Geisel, o quarto ditador, era preciso matar. Isso está nos livros do Elio Gaspari sobre a ditadura. Isso foi gravado.

São poucos os mandantes que estão vivos. Há um assassino como Carlos Alberto Brilhante Ustra, livre, leve e solto. Comandou o DOI-CODI de São Paulo. Matou muita gente sob tortura.E provavelmente há alguns poucos mais de alto coturno. Não importa. O que interessa é que os torturadores não podem ficar impunes. Isso não está direito, não é do direito, vai contra o direito no Brasil, vai contra o direito internacional. Trata-se obviamente de um crime de lesa-humanidade. Que tem que ser punido.

Será há alguém que acredite que será possível sempre e sempre empurrar para debaixo do tapete o crime da tortura? Será que não se toma consciência de que a morte de centenas de pessoas sob tortura nunca será esquecida? Será que não se compreende que por mais que tentem não é possível ignorar essa monstruosidade? A Nação só vai caminhar em paz consigo mesma no momento em que, no mínimo, forem encaminhados ao Judiciário os torturadores vivos, para um julgamento justo, com todo o direito à defesa, diferentemente dos nossos companheiros e companheiras que foram mortos covardemente, cruelmente.

As feridas de uma Nação só cicatrizam quando toda a verdade vem à tona e quando as vítimas sentem o mínimo de justiça ser feita pelo Estado. As feridas abertas pela ditadura continuam abertas. Há um grande número de desaparecidos, há um grande número de pessoas mortas, há milhares de pessoas que foram torturadas. Não se trata mais de discutir se nós, e digo nós porque fui preso e torturado e passei quatro anos numa prisão, fomos ou não julgados corretamente, e não o fomos. A ilegalidade completa era da ditadura, porque ditadura. Não se trata dessa discussão.

Trata-se de, no mínimo, e é o mínimo que se está pedindo, que o crime da tortura não permaneça impune, como impune permanece. O STF errou, e gravemente. Inequivocamente. E a sociedade brasileira continuará a discutir a necessidade de punir os torturadores da ditadura e quaisquer outros. Até que isso aconteça. Em outros países, ditadores foram para a cadeia. A Enguia está presa. Era assim que era conhecido Rafael Videla, o sanguinário ditador argentino. Pinochet, para glória dos chilenos, antes de morrer, experimentou a prisão. E a nossa Justiça considera legal o crime da tortura porque não pode ser outro o entendimento da decisão do STF.

Talvez isso só venha a ser modificado depois que a OEA condenar o Brasil a punir os crimes de tortura cometidos durante a ditadura. O Chile e o Peru foram obrigados a desconsiderar as leis de anistia depois que a OEA decidiu que os crimes de tortura não podiam ser cobertos por nenhuma lei. O Brasil pode vir a ser condenado brevemente - há reunião da Corte Interamericana de Direitos Humanos nos dias 20 e 21 deste mês e tudo indica que ela exigirá punição dos torturadores brasileiros. E aí, como disse Santiago Canton, secretário-executivo da Corte, "só Deus para rever uma decisão como essa". Não será bom para o Brasil que isso venha a ocorrer. O STF podia ter nos livrado dessa condenação. Ignorou as veias abertas do corpo ferido da Nação. (Publicado no jornal A Tarde - 10/05/2010)

 

Água de Livramento – 02.05.2010

Vereador suspeita das análises

O vereador Paulo Roberto Lessa Pereira (PP), 40 anos, de Livramento de Nossa Senhora, Bahia, criticou os procedimentos e resultados das análises bacteriológicas e físico-químicas feitas pela Embasa, Lacen e Uesb, para aferir a qualidade da água do Rio Brumado, consumida pela população local e do município de Dom Basílio. Aponta indícios de escamoteamento e falta de clareza das informações, por parte da Embasa. Ele havia questionado a respeito o próprio engenheiro da Embasa, André Ribeiro de Castro, escalado para prestar esclarecimentos na Comissão Gestora da Água, dia 28 de abril, na Câmara Municipal. Embora os resultados indiquem que a água é imprópria para o consumo humano, Paulo Lessa considerou estranha a combinação de data, horário e locais de coleta de amostras, pelas três entidades, pertencentes ao Estado. O vereador, no quarto mandato, é da base partidária do governador Jaques Wagner, mas faz oposição ao prefeito de Livramento, Carlos Roberto Souto Batista (PMDB). Ontem, ele concedeu a seguinte entrevista ao “O Mandacaru”:

Por que o senhor disse que a Embasa não mostrou toda verdade?

Quem solicitou a análise ao Lacen (Laboratório Central do Estado, da Secretaria da Saúde) foi a promotora de Justiça da Comarca de Livramento, Maria Imaculada Jued Moysés, por conta de duas representações que recebeu, uma delas minha, denunciando o risco de degradação ambiental e para a saúde pública, representado pelo sistema de esgotamento sanitário de Rio de Contas, à época em construção, cujos dejetos estão sendo lançados no Rio Brumado. A solicitação feita à Embasa (Empresa Baiana de Água e Saneamento) e à Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste Baiano) foi da Prefeitura de Livramento de Nossa Senhora, depois que o prefeito tomou conhecimento da contaminação da água. As solicitações partiram de fontes diferentes, em épocas diferentes, mas a coleta ocorreu no mesmo dia, horário e locais, pressupondo uma combinação prévia. Até a data de remessa dos resultados aos solicitantes foi a mesma, 19 de abril. Mas nada disso impediu a constatação da má qualidade da água.

Onde estão, então, a omissão da verdade e os desencontros de informações?

O alarme foi dado com o resultado de um exame inicial feito na água consumida pelos moradores do povoado de Barrinha, solicitado pela Associação dos Assentados do DNOCS, que acabou sendo confirmado pelos novos exames. Estes foram mais amplos e também concluíram pela impropriedade da água do Rio Brumado para consumo humano. Desconfio que esse consenso desfavorável não foi o esperado. Houve coletas em vários locais, feitas pelas três entidades, duas delas no povoado de Barrinha - no canal de irrigação do DNOCS e em domicílio. A terceira foi no leito do Rio Brumado, trecho da chamada Barraginha (barragem de derivação), de onde sai a água para a irrigação. Penso que as três amostras deveriam ter resultados parecidos, por ser da mesma água, sem tratamento, apenas captada em pontos diferentes. Mas só o resultado do Lacen revelou coerência. Devido à elevada quantidade de coliformes fecais, o Lacen considerou a água imprópria, enquanto Embasa e Uesb registraram “ausência” de coliformes, apesar das coletas terem sido concomitantes.

“O Mandacaru” reproduziu o laudo do “Exame Bacteriológico” da Embasa, onde as incompatibilidades a que me refiro podem ser constatadas. Para a amostra da Barrinha, a “contagem de bactérias heterotróficas”, por 100 ml de água, somou 8.550 e os “coliformes totais” 1.500, mas deu ausência de “coliformes termotolerantes” (coliformes fecais).  Até um estudante de biologia sabe que o “ausente”, no caso, é incompatível com as outras duas contagens, a não ser que tenha havido erro ou manipulação. Na amostra colhida no canal do DNOCS, a contagem foi de 9.750 bactérias heterotróficas e 2.500 coliformes totais. É impossível ou muito difícil que com esses números não haja um índice elevado também de “coliformes termotolerantes”, mas o exame da Embasa só encontrou 200. Da mesma forma, a quantidade de 14.050 bactérias heterotróficas e 7.000 coliformes totais, encontrados na amostra da Barraginha, destoa dos 600 “coliformes termotolerantes” mostrados pela Embasa. Os mais de 14 mil encontrados mostram que é grande a concentração de matéria orgânica originária de dejetos sanitários, incluindo fezes. Isso indica que a contagem de “coliformes termotolerantes” pode estar acima do permitido, que é de 1.000 por 100 ml.

Os exames feitos pela Embasa, então, não são confiáveis?

Não podemos ser categóricos dizendo isso, mas a Embasa é a entidade que vem sendo questionada, ré no processo, digamos assim. Portanto, deveriam ser indicadas entidades neutras para realização dessas análises. Quando digo que houve escamoteamento de informações, é porque, na reunião da Comissão da Água, o engenheiro da Embasa não se preocupou em explicar o significado de números tão altos de “bactérias heterotróficas” e de “coliformes totais”, para índice tão baixo do principal contaminador, que são os “coliformes termotolerantes” (fecais). Ele se limitou, praticamente, a dizer que os 600 “coliformes termotolerantes”, por 100 ml de água, revelados na amostra coletada no leito do Rio Brumado (Barraginha), estão abaixo do limite legal admitido pelo Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), que é de 1.000 coliformes por 100 ml, e que, portanto, a Embasa, na sua visão, não estaria contaminando a água. Disse que se pode tomar banho nessa água (balneabilidade), mas alertou que ela é imprópria para o consumo humano.

Também desconfio da “ausência” de “coliformes termotolerantes” na amostra colhida em domicílio da Barrinha, pois o resultado de outra amostra coletada a menos de mil metros foi de 200. Indagado sobre toda essa situação do povoado de Barrinha, onde a água é consumida in natura, o engenheiro da Embasa disse que a responsabilidade da empresa se limita às áreas contratadas com a Prefeitura, para suprimento de água. Para mim, houve combinação dessas entidades, com apoio da Prefeitura local, que inclusive mandou preposto fotografar as coletas, para que a Embasa pudesse ter tais argumentos. Quanto à solicitação do Ministério Público faltou convocar os autores das representações, para acompanhar o processo. O conjunto dessas incoerências nos obriga a duvidar e suspeitar também da qualidade da água, dita tratada, consumida na cidade.

O que o senhor considera como causa de tudo isso e como sanar o problema?

Não há o que esperar da Embasa. Ela se perdeu nas suas próprias informações. Contradiz-se, por exemplo, ao afirmar que está dentro da lei, quanto aos dejetos lançados no Rio Brumado, que se pode tomar banho na água, mas que ela é imprópria para o consumo humano. Nesse caso, como fica a situação de mais de 30 comunidades, envolvendo cerca de 10 mil pessoas, que consome essa água imprópria? Ao mesmo tempo em que diz isso o representante da empresa informa que o sistema de esgotamento sanitário de Rio de Contas não atende a várias condicionantes, motivo pelo qual a obra ainda não teria sido recebida pela Embasa. O engenheiro também não soube informar quantos domicílios já foram ligados à rede de esgoto. Isso indica que os resultados das análises que acabam de ser feitas não refletem a realidade.

A Embasa precisa mostrar os índices medidos antes do tratamento e depois, para que a população possa avaliar se melhorou ou não. Ela mesma afirma que a estação de tratamento de esgoto destina-se a reduzir de 50% a 90% as impurezas dos dejetos, após o que são lançados no rio. Mas não diz qual é o grau de contaminação dos dejetos antes e após passar pela estação.  Isso deixa a população na dúvida e intranqüila. Em minha opinião, para a qualidade da água não piorar, o desejado é que, independente do limite legal, o remanescente de contaminação dos dejetos lançados no rio deve ser inferior ao que já existe na água natural do rio.  Do contrário, seria uma grande burrice da nossa engenharia, sujar o que está limpo.

Na opinião do senhor, além da saúde pública, a economia, a produção agrícola podem ser afetadas pela contaminação da água?

Além de bactérias, os dejetos contêm substâncias químicas, cujas conseqüências exatas não conhecemos. Então, há o risco de tudo ser afetado. Mas o que acho pior é o risco para a saúde da população e a degradação ambiental. As autoridades de Livramento costumam ficar melindradas com as críticas que recebem e buscam até ameaçar os que criticam, dizendo que agem por motivações políticas. Ao invés disso, deveriam buscar soluções ou mesmo dar uma explicação. Chegamos a esse ponto com o problema da água porque as críticas não foram ouvidas e providências preventivas não foram tomadas. A situação é muito grave e tem uma dimensão que ainda não foi bem avaliada. Existe perigo, sim, para a economia, principalmente para o turismo, diante da ameaça ao nosso ponto turístico mais bonito, mais importante, que é a cachoeira de Livramento. Já imaginou o Rio Brumado ser morto, como foi o Taquari? A cachoeira também se degradará, nosso cartão postal desaparecerá, destruindo todas as possibilidades de incremento do nosso turismo, agora e no futuro.

O uso de água contaminada na irrigação e na lavagem de frutos poderá vir a dificultar a exportação do que é hoje o principal item da nossa economia. O mercado externo é muito rigoroso e muito sensível nesse sentido. Já imaginou também uma futura indústria de processamento de frutas, em Livramento, utilizando água com suspeita de contaminação? A situação requer, portanto, ação imediata por parte das autoridades, para não deixar o problema crescer ainda mais. Para preservar a saúde da população pode-se de imediato orientar as pessoas sobre providências emergenciais, no âmbito doméstico e, em plano mais abrangente, construir pequenas estações de tratamento nas comunidades que hoje consomem água in natura.

Isso seria paliativo. O senhor teria alguma idéia para solução definitiva do problema?

Poderia ser mais fácil, se o prefeito Carlos Batista, de Livramento, não estivesse do lado da Embasa, apoiando o projeto e minimizando os efeitos da contaminação. Ele prometeu monitorar, mas acabamos de constatar que o monitoramento não vinha sendo feito e as recentes análises apontam para um quadro em que a Embasa procura se eximir de qualquer responsabilidade fora do contratado com a Prefeitura, negando apoio à população que reside e vive sob a influência do Perímetro Irrigado do Brumado, bebendo água poluída e contaminada. Seria bom se o prefeito se sensibilize com o que vem acontecendo e adotasse a posição que vem sendo sugerida, inclusive pelo “O Mandacaru”, por exemplo, e pelo presidente da Câmara de Vereadores, Ilídio de Castro, que é evitar que os dejetos dos esgotos da cidade de Rio de Contas, mesmo dito tratados, sejam lançados no Rio Brumado.

O sistema que acabou de ser inaugurado está cheio de defeitos, não está funcionando a contento. Quando o bombeamento não funciona, e isso já aconteceu várias vezes, os dejetos são lançados diretamente no rio, in natura, sem passar pela estação de tratamento. Isso aconteceu, por exemplo, entre janeiro e dezembro últimos, coincidindo com um surto de diarréia em Livramento, cuja origem não foi explicada pelo Hospital Municipal. Entendemos ser obrigatória e urgente uma revisão daquele sistema de esgotamento sanitário e seria oportuno que, nessa reavaliação, fosse incluída uma solução definitiva para o problema, que pode ser o lançamento dos dejetos em terra e não nas águas do Rio Brumado, como vem ocorrendo.

Sobre isso, a Secretaria do Meio Ambiente de Rio de Contas apresentou à Comissão Gestora da Água uma proposta interessante, que é a reutilização da água em irrigação de campos de flores, lá mesmo em Rio de Contas, uma possibilidade de despoluição do rio e que ainda pode gerar emprego e renda. Deve, portanto, merecer, como foi solicitado, apoio dos três municípios - Rio de Contas, Livramento e Dom Basílio. A promotora de Justiça de Livramento, aliás, prometeu incluir a proposta no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que pretende negociar junto à Embasa.