Justiça Eleitoral – 05.07.2011

SENTENÇA CASSA MANDATOS DE
PREFEITO E VICE DE LIVRAMENTO

PROCESSO: Nº 1010000012009 - AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO UF: BA 101ª ZONA ELEITORAL

Nº ÚNICO: 1400811.2009.605.0101

MUNICÍPIO: LIVRAMENTO DE NOSSA SENHORA - BA N.° Origem: 1010000012009

PROTOCOLO: 1010014142008 - 29/12/2008 12:00

IMPUGNANTE(S): COLIGAÇÃO DESENVOLVIMENTO COM JUSTIÇA SOCIAL

ADVOGADO: JOSÉ SOUZA PIRES

IMPUGNADO(S): CARLOS ROBERTO SOUTO BATISTA E OUTRO

ADVOGADO: Helio Diogenes Cambui alves

JUIZ(A): Pedro Henrique Izidro da Silva

ASSUNTO: AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO - CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO - PEDIDO DE CASSAÇÃO/PERDA DE MANDATO ELETIVO

LOCALIZAÇÃO: ZE-101-101a. ZONA ELEITORAL/BA

FASE ATUAL: 04/07/2011 15:20-Registrado Sentença de 04/07/2011. SENTENÇA AUTOS N.º 14008-11.2009.6.05.0101

As autoras juntaram aos autos mídia contendo uma gravação onde destaca diálogo entre as pessoas de Wagner, João de Ogum, Edilson, Maria Helena Conceição de Almeida e Valdirene Conceição de Almeida Silva.

Os requeridos pretenderam desconstituir essa prova requerendo incidente de falsidade, mas este foi indeferido em razão de o pedido não seguir o rito processualístico adequado.

Porém, esse diálogo foi confirmado pela eleitora em depoimento judicial e mesmo em áudio apresentado pelos próprios requeridos às fls. 236.

Deve ficar consignado que as duas mídias foram ouvidas atentamente durante o exame das provas colacionadas a estes autos.

No primeiro áudio, fica clara a compra de votos. Os diálogos gravados informam que a eleitora Maria Helena Conceição de Almeida manifestava intenção de voto em outro candidato, mas foi procurada por Wagner, João de Ogum e Edilson para mudar sua intenção de voto e inclusive convencer outros membros da família a votar no candidato "Carlão" .

No desenrolar da conversa foi ofertada a eleitora material de construção e serviços de pedreiro para construção de banheiro em sua casa, desde que o voto fosse garantido no candidato "Carlão".

Despacho

Sentença em 04/07/2011 - AIME Nº 1010000012009

EXMO. SR. DR. JOÃO LEMOS RODRIGUES

PROCESSO: AIME nº 14008-11.2009.6.05.0101

Número antigo: 001/2009

Impugnante: Coligação Desenvolvimento com Justiça Social.

Advogados: José Souza Pires, OAB/BA nº 9755/Hélio Diógenes Cambuí Alves, OAB/BA nº 27583/Otávio Leal Pires, OAB/BA nº 23.921

Impugnados: CARLOS ROBERTO SOUTO BATISTA e PAULO CEZAR CARDOSO AZEVEDO.

Advogados: Maurício Oliveira Campos, OAB nº 22.263/Márcio Moreira Ferreira, OAB nº 18.711/Aloisio Figueiredo Andrade, OAB/BA nº18745/Edson Monteiro Salomão, OAB/BA nº13458.

SENTENÇA
RELATÓRIO

Vistos, etc.

A COLIGAÇÃO DESENVOLVIMENTO COM JUSTIÇA SOCIAL e MARIA DE LOURDES SOUZA LEAL, qualificados nos autos, propuseram a presente ação de impugnação de mandato eletivo em face de CARLOS ROBERTO SOUTO BATISTA e PAULO CESAR CARDOSO AZEVEDO, qualificados nos autos, onde pleitearam a desconstituição dos mandatos outorgados aos requeridos e declaração da inelegibilidade dos mesmos pelo período de três anos, com determinação de novas eleições.

As autoras afirmaram, em síntese, na inicial, em primeiro lugar, que no dia 28 de agosto de 2008 os requeridos utilizaram de quatro funcionários do Município para realizar obra no Comitê Eleitoral, o que caracterizaria abuso do poder econômico.

Em segundo lugar, foi afirmado pelas autoras que os impugnados tentaram comprar votos oferecendo à eleitora Maria Helena Conceição e sua família material de construção, dinheiro, emprego e serviço de alvenaria para que fosse instalado um banheiro e dois cômodos na residência dos eleitores desde que votassem em "Carlão 15" e, para vereador, em Wagner Assis.

Afirmaram que os requeridos praticaram as condutas vedadas pelo art. 41-A e 73 da Lei n.º 9.504/97 e violaram as disposições do art. 14, §10 da Constituição Federal, do art. 22 da Lei Complementar n.º 64/90.

Disseram que as condutas imputadas aos requeridos desequilibraram o pleito eleitoral e culminou por requerer a cassação dos mandatos eletivos com realização de nova eleição.

A inicial veio acompanhada dos documentos de fls. 31/177.

Carlos Roberto Souto Batista apresentou contestação às fls. 181/190 onde sustentou carência de ação por falta de interesse de agir e ilegitimidade ad causam. Afirmou que a Coligação autora não tem legitimidade para propor ação eleitoral após o encerramento das eleições. Aduziu em seguida nulidade da citação uma vez que a inicial não lhe foi entregue com cópia dos documentos que a instruíram, sobretudo, cópia das fotografias juntadas aos autos. Quanto ao mérito, aduziu que veiculou comunicação interna proibindo a utilização de servidores e bens da municipalidade na atividade político partidária. Disse também que não foi anotado na inicial que os funcionários indicados estavam cumprindo ordem suas. Por outro lado, aduziu que as pessoas indicadas na inicial não são funcionários municipais, apesar de prestarem serviços eventuais para o Município. Disse que tais pessoas trabalharam na sua campanha política mediante pagamento feito pelo próprio acionado.

Quanto à captação ilícita de sufrágio aduziu que não há prova de ter participado do suposto aliciamento da eleitora operado pelo à época candidato Wagner de Assis. De outra ordem aduziu que a compra de votos de Maria Helena Conceição é um farsa e não existiu, tendo sido uma armação perpetrada pela própria Maria Helena Conceição que é correligionária política da segunda autora.

Por fim arguiu incidente de falsidade em relação à mídia anexada com a petição inicial. Quanto às fotografias as impugnou por estarem desacompanhadas dos respectivos negativos.

Culminou por requerer o julgamento de improcedência.

Arrolou testemunhas, mas não juntou documentos.

Paulo César Cardoso Azevedo apresentou contestação às fls. 194/203 sendo desnecessário resumo de suas alegações uma vez que sua contestação é completamente igual à contestação apresentada pelo primeiro requerido.

A primeira autora apresentou réplica às fls. 216/220.

Decisão exarada às fls. 222/224 em que foi afastada a preliminar de ilegitimidade ativa da coligação autora, bem como rechaçou a arguição de nulidade da citação. Nessa oportunidade não foi conhecido do pedido de incidente de falsidade porque não observada a regularidade procedimental. Quanto às fotografias foi dito que há permissão do TSE para apresentação sem os negativos, sendo permitida a impugnação por meio processual adequado, o que não foi feito. Deferiu-se, por fim, a produção de prova testemunhal.

Às fls. 228 o primeiro acionado requereu adiamento da audiência designada para 20 de maio de 2010, o que foi deferido.

Ata de audiência às fls. 234 onde os requeridos requereram a dispensa da prova oral requerida pelas autoras em razão de estas não terem comparecido à audiência. Requereu, ainda, a juntada dos depoimentos prestados na AIJE n.º 396/2008 e de um cd com depoimento de Maria Helena Conceição.

O primeiro requerimento foi indeferido sob o argumento de ter sido alterado a sistemática de intimação dos atos dessa zona eleitoral, bem como em razão da greve dos serventuários.

Foi determinada a juntadas da prova emprestada e da mídia apresentada pelos requeridos.

As autoras manifestaram-se às fls. 246/247 e 249/250, sobre os documentos e cd juntados pelos requeridos em audiência.

Designada data para audiência, o segundo requerido requereu adiamento, o que foi deferido.

Ata da audiência de continuação às fls. 260/268.

Nessa oportunidade os requeridos requereram fosse feito juízo de retratação da decisão que indeferiu o incidente de falsidade, porém, o pedido foi indeferido.

As autoras requereram juntada de prova emprestada, consistente em depoimentos de Valdirene Conceição de Almeida e Silva e Maria Helena Conceição de Almeida prestado na ação 396/2008, bem assim cópia dos documentos relativos a busca e apreensão levada a efeito nos autos 396/2008.

Não obstante impugnação da parte contrária, o pedido foi deferido para preservar a paridade entre as partes, uma vez que pedido da mesma natureza foi deferido à parte contrária.

Em contrapartida os requeridos solicitaram juntada de fotografias para combater os depoimentos de Valdirene Conceição de Almeida e Silva e Maria Helena Conceição de Almeida, bem como foi solicita a juntada de acórdão do TER-BA.

O pedido de juntada de fotografias foi indeferido sob o argumento de não ter pertinência com os fatos. Já o pedido de juntada de acórdão foi deferido.

Os requeridos solicitaram as seguintes diligências: a) remessa de ofício ao relator do Recurso contra expedição de diploma n.º 715 para que fornecesse a este juízo cópia do depoimento de Maria Helena Conceição de Almeida ; b) remessa de ofício à delegacia local para que fossem remetidos os autos de inquérito instaurado para apurar possível crime de testemunho falso supostamente praticado por Maria Helena Conceição de Almeida. Os requerimentos foram deferidos.

A prova oral foi dispensada.

Alegações finais apresentadas pelas autoras às fls. 303/309.

Juntada aos autos de cópia de decisão exarada em mandado de segurança onde foi deferida liminar para juntar aos autos as fotografias, cd e depoimento de Maria Helena da Conceição Almeida, requeridos pelos réus, cuja juntada teria sido indeferida às fls. 260/268.

Fotografias e cd juntados às fls. 342/361.

Juntada às fls. 355/406 dos documentos determinados na ata da audiência de continuação.

Parecer do Ministério Público às fls. 409/416 com conclusão de estarem demonstradas nos autos prática de abuso de poder econômico e político, captação ilícita de sufrágio e de condutas vedadas. O Ministério Público pugnou pela procedência dos pedidos iniciais.

Alegações finais apresentadas pelos requeridos às fls. 443/457 onde pugnaram pela improcedência dos pedidos.

Nova manifestação da parte autora reproduzindo quase que completamente alegações finais anteriormente apresentadas.

Determinação às fls. 468 dos autos, de desentranhamento de documento juntada pelas autoras com as alegações finais.

Os autos vieram à conclusão. É o relatório. Passo a decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

Os autos encontram-se maduros para decisão, visto não existir matéria preliminar para exame, uma vez que todas já foram examinadas na decisão de fls. 222/224.

Estão presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, bem como não havendo nulidades a sanar, passa-se ao exame do mérito.

Cuida-se de ação de impugnação de mandato eletivo em que as impugnantes requerem a cassação dos mandatos eletivos dos impugnados Carlos Roberto Souto Batista e Paulo Cesar Cardoso Azevedo, respectivamente, prefeito e vice-prefeito, sob o argumento de captação ilícita de sufrágio, conduta ilícita prevista no art. 41 - A da Lei nº 9.504/97, e prática de abuso do poder econômico e político, estes, mediante utilização de funcionários públicos municipais em obra de comitê eleitoral.

Em primeiro lugar cabe análise da primeira conduta imputada aos impugnados, qual seja, a utilização de servidores públicos municipais em obra de comitê eleitoral, favorecendo-se, assim, a campanha eleitoral dos requeridos.

A inicial conta que os impugnados se valeram dos servidores de prenomes Nilson, Osmar, Raimundo Edilberto e Dunga para construção do comitê eleitoral dos requeridos, fato ocorrido em 28 de agosto de 2008.

Os acionados disseram que não imputação de que teriam diretamente determinados os serviços das referidas pessoas. Por outro lado, afirmaram que os nominados eram trabalhadores eventuais do município e que foram contratados mediante remuneração paga com dinheiro saído de seu patrimônio.

Então, a realização da obra pelas ditas pessoas é fato incontroverso nos autos, devendo ser apurada somente a existência de eventual abuso do poder econômico ou do poder político.

Cabe salientar a desnecessidade de demonstração de terem os requeridos determinada a atuação dos servidores, bastando que tenham se beneficiado.

Nesse sentido é a lição de Marcus Vinícios Furtado Coêlho:

Contudo, para a configuração de abuso de poder não é necessária a prova de participação, autorização ou conhecimento do candidato, bastando que ele seja beneficiário do ato lesivo (Direito eleitoral e processo eleitoral - direito penal eleitoral e direito político. 2 ed. Rio de Janeiro: 2010. Renovar, p. 259).

Deve ficar assentado que não veio aos autos demonstração da natureza da relação jurídica existente entre os nomes apontados pelas autoras e o Município de Livramento de Nossa Senhora. De toda sorte, foi admitido pelos requeridos que os referidos são trabalhadores eventuais do município.

Nesse caso a investigação tem por mira verificar se os trabalhadores cumpriram a tarefa relatada mediante remuneração paga pelos cofres públicos ou pelo menos no momento em que prestavam serviço para o município, o que dá na mesma.

Os impugnados não trouxeram aos autos documentos comprobatórios de suas assertivas quanto a esses fatos, no entanto, os documentos trazidos aos autos pelas autoras informam recibos de pagamento ao contribuinte individual em que figuram os nomes de Osmar Manoel de Jesus (fls. 61), Raimundo Edilberto da Silva (fls. 62) e Wilson de Jesus (fls. 63).

Tais recibos informam Eleição 2008 Carlos Roberto Souto Batista Prefeito, como contratante, e isso é indício de que tais prestadores de serviço não foram remunerados com dinheiro dos cofres do município.

Por outro lado, as autoras não lograram êxito na demonstração de que os prestadores do serviço feito no comitê eleitoral estavam a serviço do município ou foram remunerados com dinheiro público.

Ora, caberia às impugnantes demonstrar que Nilson, Osmar, Raimundo Edilberto e Dunga mantinham vínculo permanente com município de Livramento de Nossa Senhora ou que pelo menos, os serviços impugnados foram custeados com dinheiro público.

Não havendo prova da assertiva proposta na inicial, não resta caracterizado o abuso do poder econômico e do poder político.

Quanto ao segundo fato descrito na inicial, qual seja captação ilícita de sufrágio, consistente em oferta de material de construção para a eleitora Maria Helena Conceição de Almeida, a prova dos autos é robusta e demonstra ocorrência da corrupção eleitoral.

As autoras juntaram aos autos mídia contendo uma gravação onde destaca diálogo entre as pessoas de Wagner, João de Ogum, Edilson, Maria Helena Conceição de Almeida e Valdirene Conceição de Almeida Silva.

Os requeridos pretenderam desconstituir essa prova requerendo incidente de falsidade, mas este foi indeferido em razão de o pedido não seguir o rito processualístico adequado.

Porém, esse diálogo foi confirmado pela eleitora em depoimento judicial e mesmo em áudio apresentado pelos próprios requeridos às fls. 236.

Deve ficar consignado que as duas mídias foram ouvidas atentamente durante o exame das provas colacionadas a estes autos.

No primeiro áudio, fica clara a compra de votos. Os diálogos gravados informam que a eleitora Maria Helena Conceição de Almeida manifestava intenção de voto em outro candidato, mas foi procurada por Wagner, João de Ogum e Edilson para mudar sua intenção de voto e inclusive convencer outros membros da família a votar no candidato "Carlão" .

No desenrolar da conversa foi ofertada a eleitora material de construção e serviços de pedreiro para construção de banheiro em sua casa, desde que o voto fosse garantido no candidato "Carlão" .

Na prova emprestada juntada às fls. 395/398 há o depoimento judicial de Maria Helena Conceição de Almeida, prestado sob compromisso, que vem atestar o conteúdo da gravação juntada com a mídia de fls. 119.

Seguem trechos desse depoimento:

Foi procurada por pessoas ligadas à campanha de Dr. Carlos, que estas foi João Batista, conhecido por "João de Ogum" e Edilson, conhecido como "Peixe" que não sabia que eles eram candidatos "só sei que quando em chegava da roça encontrava eles na minha casa" ; que ele foram lá "me pedir vota pra Dr. Carlos e Wagner, porque na minha família todos eram deste lado, Isabel, Rosilda, Juarez e Edmilson e para completar o grupo só faltava eu Valdirene e Vanusa" eu respondi para eles que não adiantava que eu não era do lado deles; [...] que eles me ofereceram vantagens em troca de votos, que eles João de Ogum e Edilson Peixe; que eles perguntaram a depoente o que ela esta necessitando. "eu disse a eles que eu precisava rebocar minha casa, reformar o telhado e fazer o banheiro; que eles me prometeram fazer antes das eleições a reforma da casa deixar pronto; eu disse a eles que estava proibido isto e que já tinha encerrado o tempo de dar material e ele disseram que iam reforma e que eu ficasse de bico calado" ; que não vonversou com Dr. Carlos nem Dr. Paulo, nem Wagner, "conversei com João de Ogum e Peixe; que quando chegou da roça e encontrei com eles conversando com Valdirene minha filha, esta estava gravando toda conversa dela com eles e a minha, eu não sabia que Valdirene estava gravando; [...] que o pedreiro que começo esta construção chama-se Cláudio um rapaz do Benito Gama o qual não sabe informa a "assinatura" ; que João de Ogum e Peixe fizeram campanha nas últimas eleições para Dr. Carlos; que João de Ogum era representante de Dr. Carlos no Benito Gama; que Peixe tinha a função de empreiteiro da prefeitura "ele mesmo falou que era empreiteira da prefeitura" ; [...] que não sabe dizer nem mais nem menos quanto custou o material; que João de Ogum não tinha condição de lhe dar esse material; porque ele me falou que ia conversar com Dr. Carlos e Wagner para eles autorizar me da o material; que João de Ogum lhe disse que tinha falado com Dr. Carlos" que eu ficasse em casa para receber o material que ele ia levar que eu disse a ele que não podia ficar em casa esperando por que eu ia para roça trabalhar e ele me disse que eu pudesse ficar em casa esperando que ele me pagava um dia ou dois de trabalho; que não ficou esperando que quando chegou da roça o matéria havia sido entregue na casa da minha filha Sueli e que era para entregar a Ana; que minha filha Sueli lhe disse que lá não havia pessoa com aquele nome e perguntou: não é para entregar a minha mãe não? E ele respondeu: moça, não era para falar, era par ficar calada para ninguém descobrir; não sabe informar a data em que recebeu estes materiais "só sei que estava faltando uma semana para as eleições; que o dinheiro que ganhava na roça não dava para comprar aqueles materiais "porque ganhava quinze contos por dia, não dava nem para comer quanto mais para material [...]. (fls. 394/395).

Os impugnados tentaram em vão desqualificar o depoimento da testemunha Maria Helena atribuindo a ela vinculação a outra candidata que concorreu ao cargo de Prefeito.

Ocorre que não lograram êxito nesse aspecto, primeiro porque a eleitora não sabia da gravação feita por sua filha. Em segundo lugar, a eleitora foi procurada pelos senhores João de Ogum e Edilson Peixe em sua residência para abandonar a idéia de votar "no 45" e se comprometer a votar no candidato "Carlão" .

A situação apresentada não foi provocada pela eleitora que, vítima da condição de miséria em que vive aceitou a oferta de material de construção em troca do seu voto.

Conforme se verifica no depoimento de Maria Helena os seus esforços não lhe geravam renda suficiente para construir um banheiro em sua residência, mesmo porque o dinheiro que ganhava não dava nem mesmo para pagar a alimentação da família.

O auto de apreensão de fls. 373 contém a relação dos materiais que foram doados à eleitora e que foram apreendidos por ordem judicial.

Há que ser destacado que os impugnados juntaram aos autos duas gravações encontradas nas mídias de fls. 236 e 345 onde a história contada na inicial é confirmada.

Na primeira dessas gravações a eleitora Maria Helena confirma que recebeu o material em troca do voto, embora tenha dito que o problema teria sido causado por João de Ogum e Edilson Peixe.

Nessa gravação Maria Helena revela que foi ameaçada por João de Ogum que teria dito a ela que se não acompanhasse o comício iria morrer.

O fato de a testemunha Maria Helena ter comparecido em comício e segurar bandeira de outro candidato não implica suspeição de seu depoimento, mormente porque confirmado tanto nos autos por meio de prova emprestada, quanto em gravações trazidas pelos requeridos.

Na mídia de fls. 236, repita-se, trazida aos autos pelos impugnados, a conversa foi direcionada para o episódio da oferta de material de construção em troca do voto. Em dado momento o interlocutor diz:

[...] a sra. foi até boba, boba nesse sentido, vai na onda dessas coisas pra favorecer alguém pensado que tá favorecendo e a prejudicada ta sendo a senhora, oia, enquanto a senhora, às vezes necessita de alguma coisa por causa dessas pessoas fica marcando a sra.. Eu nunca tive isso eu sempre ajudei as pessoas de acordo com minhas possibilidades. [...] Mas eu nunca dirigi a senhora Dona Maria eu vou lhe dá isso para a sra. Votar. Então, eu se eu fosse a sra. Eu dava, eu tomava outra atitude em relação a tudo isso ..., porque a sra. mesma foi prejudicada a sra perdeu as coisas, né, perdeu as coisas, agora poderia ta sendo ajudada aí, agora fica desse jeito aí a gente fica até sem graça [...].

Resta, portanto, evidente que a eleitora foi aliciada para mudar sua opção de voto mediante entrega de material de construção e esse fato constitui captação ilícita de sufrágio.

Segundo o ensinamento de José Jairo Gomes, que citando jurisprudência do Tribunal Superior Eleitora, afirma:

Não é imperioso que a ação ilícita seja levada a efeito pelo candidato, ele mesmo. Poderá ser realizada por interposta pessoa, já que se entende como "desnecessário que o ato de compra de votos tenha sido praticado diretamente pelo candidato, mostrando-se suficiente que, evidenciado o benefício, haja participado de qualquer forma ou com ele consentido" . (TSE - Ac. N. 21.792, de 15/09/2005 - JURISTSE 12:10). (Direito eleitoral. 2 ed. Belo Horizonte: 2008. Del Rey, p. 394).

Conforme demonstrado nos autos em depoimento de Maria Helena, acima transcrito, os aliciadores representavam o, à época, candidato "Dr. Carlos" e em nome deste ofertaram os matérias de construção em troca do voto.

Na segunda mídia apresentada pelos requeridos às fls. 345 há o relato de Valdirene Conceição de Almeida Silva, de onde se extrai que não recebeu nada para fazer a gravação e a divulgou porque João de Ogum ameaçou sua mãe.

Em outro trecho Valdirene afirma que os requeridos não foram a sua casa, mas Wagner, João de Ogum e Peixe foram a mando de "Carlão" .

Veja-se a transcrição seguinte:

Interlocutor: ooo Valdirene deixa eu te fazer uma pergunta ... porque você envolveu tanto aquelas confusões contra o prefeito Dr. Carlos ....

Valdirene: mas por causa de de Peixe e João de Ogum que ele ameaçou mãeinha ...

Interlocutor: mas o prefeito ...

Valdirene: o prefeito não tem nada a ... o prefeito eu não vi na minha casa como eu falei lá, ele não foi nenhuma vez na minha casa ...

Interlocutor: sei...

Vadirene: só quem foi foi Wagner, Peixe e João de Ogum, entendeu...

Interlocutor: entendi.

Valdirene: o negócio mesmo foi porque ele ameaçou mãeinha, aquelas brincadeiras bestas dele, então eu fiquei com raiva, mãeinha também...

Interlocutor: mas... mas não te prometeram nada não, te dar alguma coisa pra...

Valdirene: nada

Interlocutor: não, prometeram não?

Valdirene: me deu nada!

Interlocutor: eu acho que... que se eu não gosto de uma pessoa eu não posso ta acusando a outra...

Interlocutor: o que eu ia te perguntar era isso também, Dr. Carlos, Dr. Paulo foi algum dia te pedir voto, fazer oferta para que votasse neles?

Valdirene: não... foi Wagner mandado por Carlão...

Deve ser destacado que na mídia trazida aos autos pelas autoras houve certa negociação com a eleitora para a entrega dos materiais, inclusive envolvendo outras pessoas para autorização da entrega do material.

Está certo nos autos que Wagner, João de Ogum e Peixe faziam campanha no bairro Benito Gama para os impugnados e no caso discutido nesses autos, captaram voto ilicitamente, também a mando dos requeridos.

Fatos dessa natureza, geralmente, são desenvolvidos à surdina o que dificulta a prova.

Mas, no caso dos autos a prova veio certa por providência inicialmente despretensiosa de Valdirene Conceição de Almeida Silva, a qual, somente tomou a iniciativa de divulgar o fato, quando sua mãe foi ameaçada pelo cabo eleitora João de Ogum.

Em casos como o dos autos não se pode exigir a prova de participação direta dos candidatos, porque na maioria das vezes agem por meio de pessoas interpostas que falam em nome dos autores intelectuais ou dos mandantes.

Mesmo agindo por intermédio de terceiros os candidatos são responsáveis por tais atos e devem sofre as conseqüências legais com a desconstituição do mandato.

Há nos autos notícia de que João de Ogum não tinha condições de arcar com o preço dos materiais doados à eleitora Maria Helena, então, o dinheiro não teria saído de seu bolso.

Por outro lado, não é crível que alguém sairia distribuindo bens próprios para beneficiar candidato, sem que fosse pessoa abastada.

O certo é que os corruptores diretos agiram em nome e por ordem dos requeridos.

Nesse caso, restando provada a corrupção eleitoral e sendo induvidosa a participação dos requeridos na captação ilícita de sufrágio, deve ser aplicada a consequência legal prevista no art. 41-A da Lei n.º 9.504/97 com a desconstituição do mandato dos requeridos e realização de novas eleições.

Segundo se verifica nos arquivos deste Juízo Eleitora, os impugnados obtiveram 13.026 votos dos 24.068 votos válidos, ou seja, mais de 54% dos votos válidos e mais de 51% do total de votos apurados.

É necessária, portanto, realização de novas eleições por força do art. 224 do Código Eleitoral, in verbis:

Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do País nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do Município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.

Quanto a inelegibilidade e aplicação de multa, não são cabíveis à espécie conforme já decidido pelos Tribunais nesse sentido:

Recurso Eleitoral. Ação de Impugnação de Mandato Eletivo. Corrupção eleitoral. Captação ilícita de sufrágio. Procedência. Eleições 2008. Preliminar de nulidade do processo pela utilização de prova emprestada e cerceamento de defesa. Rejeitada. Acordo entre as partes para utilização da prova emprestada. Dispensa da oitiva das demais testemunhas pelas próprias partes. Possibilidade de utilização de prova emprestada de processo distinto, desde que respeitado o princípio do contraditório. Mérito. Doação de quantia em dinheiro em troca de votos. Captação ilícita de sufrágio. Corrupção. Prova testemunhal coesa. Potencialidade das condutas de influir no pleito. Cassação do mandato do vereador eleito. Convocação do primeiro suplente. Decotada da sentença a imposição de multa e inelegibilidade, pois não cabíveis em AIME. Recurso a que se dá parcial provimento. (TRE/MG. RE - RECURSO ELEITORAL nº 8106 - Senador José Bento/MG. Relatora MARIA FERNANDA PIRES DE CARVALHO PEREIRA. Publ. DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Data 29/10/2009 - fonte www.tre-mg.jus.br. Acesso em 04 de julho de 2011).

Considerando que em sede de ação de impugnação de mandato eletivo não se aplica o disposto no art. 216 do Código Eleitoral, essa decisão tem efeito imediato, devendo o presidente do Poder Legislativo municipal assumir interinamente, e de imediato, as funções de Chefe do Poder Executivo municipal.

DISPOSITIVO SENTENCIAL

Posto isso, considerando o mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE OS PEDIDOS CONTIDOS NA INICIAL para com fundamento no art. 41-A da Lei n.º 9.504/97 DECRETAR a cassação dos mandatos eletivos referente ao pleito de 2008 de CARLOS ROBERTO SOUTO BATISTA e PAULO CEZAR CARDOSO AZEVEDO, em exercício nos cargos de prefeito e vice prefeito, respectivamente.

Comunique-se ao Tribunal Regional Eleitoral o teor dessa sentença, remetendo-lhe cópia.

Intime-se o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Livramento de Nossa Senhora para que assuma interinamente e de imediato as funções de chefe do Poder Executivo Municipal.

Intimem-se as partes do teor dessa sentença por meio de seus advogados, intimando-se ainda pessoalmente Carlos Roberto Souto Batista e Paulo Cezar Cardoso Azevedo.

Extraia-se cópia da sentença para juntada à Ata da Proclamação dos eleitos.

Providencie-se com urgência.

Sem custas e honorários de sucumbência.

Publique-se. Registre-se e intime-se.

Livramento de Nossa Senhora, 04 de julho de 2011.

JOÃO LEMOS RODRIGUES

Juiz Eleitoral