O pioneiro – 07.08.2011

“Seu Pereira” vira ícone
da Festa do Bom Jesus

José Pereira de Souza, ou simplesmente “Seu Pereira”, comerciante aposentado, nascido em 1928, tornou-se um ícone da festa católica do Bom Jesus do Taquari, em Livramento de Nossa Senhora, Bahia. Graças a ele, a tradição atravessou momentos difíceis e transformou-se na grande peregrinação de hoje. Sua preserverança de devoto chamava a atenção dos padres e do então bispo, quando surgiu a diocese. Ele é dos tempos em que as rezas se realizavam em volta de um cruzeiro, na praça onde hoje se ergue a Torre do Bom Jesus.

Filho de Justino Francisco de Souza e D. Rita Rosa de Jesus, viúvo de D. Maria do Carmo Santos Souza, Seu Pereira nasceu na roça, perto de Caraíbas, no vizinho município de Paramirim, onde trabalhou até 1954, quando sua família mudou-se para o distrito de Itanajé, em Livramento. Ali, seu pai montara uma “venda” (pequeno estabelecimento comercial onde se vendem artigos variados, incluindo secos e molhados, espécie de precursor dos atuais supermercados). Foi onde se iniciou no comércio.

Conta que também trabalhou como baganeiro, que significa “vendedor de coisas velhas”, comprando na região de Paramirim, para vender em Vitória da Conquista, então já um atraente pólo comercial da região. Revela que foram tempos duros, quando era comum dormir encima ou embaixo de caminhões. “Se um pneu furava”, afirma, “levava-se três dias parado”, pois não existiam borracharias nas estradas. “Era um sofrimento danado”, acrescenta.

DEPOIS DA BAGANA, O POSTO

Depois da bagana, Seu Pereira diz que montou o primeiro posto de gasolina da cidade, em 1964, da Atlantic, no bairro Taquari. Primeiro, começou vendendo o combustível em latas e só veio a ter uma bomba completa, em 1968, relembra. Afirma que “havia muita fiscalização”, a Petrobrás exigia mapas completos, que iam do horário de funcionamento ao volume de vendas. Disse que vendia pouco, pois na cidade só existiam seis carros, dos quais lembra “a rural de Dominguinhos, um caminhão velho de João Marques e a rural ou jipe de Durvalzinho”.

A maioria das vendas, disse, era para viajantes, principalmente depois da instalação da Mineração Boquira, acrescentando que “O que vendia em Livramento não dava para um prato de comida” e, também, “vendia muito fiado, perdi muito dinheiro”. Depois, montou também uma pensão e, assim, vendia combustível para os carros, hospedava e fornecia comida aos viajantes.

Nessa luta, conta, é que criou seus oito filhos: Reinaldo, Luzia (falecida), Romilce, Maria, Pedro, Margareth, Mônica e Rita, que lhe deram 16 netos e três bisnetos, fora um que deverá nascer em setembro próximo.

FAMÍLIA MUITO CATÓLICA

Perguntamos como começou sua devoção ao Bom Jesus e Seu Pereira responde, com orgulho, que “Eu fui de uma família muito católica e, na época que veio Papai Saló e Mamãe Nini [engenheiro Salomão Silveira e sua esposa Nivalda, de Ilhéus, Bahia], contratados pelo padre Sinval para construir a gruta, não tinha onde eles ficarem, nem botar o material. Então, botavam lá em casa, no meu quintal. Eu ajudava naquilo que podia”.

Acrescenta que “o povo tinha a maior devoção e bondade de ajudar na construção da gruta”, mas assegura que “não foi fácil construir aquela gruta”, dizendo que “começou em julho de 1964 e, acho, em janeiro de 65 teve a inauguração, muito bonita”. Porém, segundo revela Seu Pereira, era tudo muito precário e “Quando inaugurou, era tudo aberto, não tinha porta, nada, e como havia muitos animais, porcos e, principalmente, jumentos, eles dormiam tudo lá dentro. Eu tirava a imagem [do Bom Jesus] e guardava lá em casa”.

“Dois anos depois”, informa Seu Pereira “eu resolvi fechar a gruta. E fiz um leilão e o pessoal ajudou muito. No outro ano, eu botava leilão e o povo doava, para poder botar o piso. Foi uma bênção. Eu só sei dizer que, naquele tempo, quando começou aqui, não tinha nem novena. Primeiro, criei duas, depois consegui botar seis (1965) e, um ano depois, coloquei nove. Do lado de onde hoje é a gruta, havia, antigamente, uma cruz, onde eram enterrados os pagãos [crianças que morriam antes de serem batizadas]. O padroeiro já era o Bom Jesus”.

Fotos do álbum de "Seo Pereira", incluindo a do Posto de Gasolina Atlantic, o primeiro da cidade de Livramento

“TINHA POUCA COISA AQUI”

Segundo ele, “O povo tinha muita devoção com o Senhor Bom Jesus. Naquele tempo, não tinha quem cantava, nada. Eu ia para a cidade pedir a Tõe de D. Idália, a D. Terezinha Tanajura, para me ajudar. Tinha pouca coisa aqui. Graças a Deus, foi melhorando até chegar ao ponto que tá. Passei a colocar cada novena para uma família, que assumia, mandava celebrar e ajudava na missa”.

E tudo foi aumentando, segundo Seu Pereira, e “o padre Zé Dias [da Paróquia de Nossa Senhora do Livramento] comprou um terreno onde é nossa igreja hoje (40 reais) e construiu o centro paroquial”. A paróquia local foi criada entre 2003 e 2004 e ele fica entusiasmado com o porte atual dos festejos, mas lamenta “que, pela minha idade, não posso participar mais”.

Ele relembra a criação da Paróquia: “Havia missa aqui uma vez na semana. D. Hélio [bispo diocesano Dom Hélio Paschoal] gostava muito de vir aqui. Um dia, ele anunciou [que tinha] uma surpresa. Nós ficamos muito entusiasmados”, que foi, justamente, a criação da Paróquia. “[Houve] muitas palmas, muitos aplausos”.

“O primeiro pároco foi Padre Bené (Benedito), filho de Ituaçu. A igrejinha ficou lotada para esperar esse padre, mas, quando ele chegou, assim, para falar a verdade, todo mundo ficou surpreso, era um padre assim sem jeito, sabe, eu falei ‘meu Deus do céu’, era aquele padre quieto”

MAS O PADRE VIROU ÍDOLO

Ou seja, nas palavras de Seu Pereira, ninguém levou fé no tal padre, que, ainda por cima, exibia uma barba inusitada. Mas Seu Pereira vibra, ao afirmar que, aquele padre, nada empolgante, no início, “foi a maior bênção do Bom Jesus, para nós”. Na verdade, Padre Bené, como ficou conhecido, hoje é um ídolo dos paroquianos do Taquari e região.

“Em três anos”, revela Seu Pereira, “ele reconstruiu a igreja, fez cinco salas de catequese, construiu outras para a Pastoral da Promoção Humana e a da Terceira Idade, e construiu a Casa paroquial. Hoje, atuam na paróquia, com a mesma eficiência e entusiasmo, o padre Aparecido, que sucedeu a padre Edinaldo, que havia sucedido ao padre Bené; padre Elísio e o diácono José Roberto.

Seu Pereira encerrou a entrevista falando da importância do Bom Jesus na sua vida, resumindo da seguinte forma: “Pra mim, o Senhor Bom Jesus foi tudo. Romilce, minha filha, panhou uma disenteria crônica, já estava desenganada. Dr. Nelson [médico] disse ‘aqui só deus’. Ela não ficava mais em pé, tinha 5 anos. Um dia, ela levantou-se, soltou aquela guinchada e caiu. Eu olhei para ela e disse ‘oh, meu Senhor Bom Jesus, se minha filha não morrer e ficar boa dessa terrível doença, vou mandar tirar o retrato dela e mandar botar lá no Bom Jesus da Lapa’. Você acredita que, quando foi no outro dia, ela não obrou! Levou uns cinco dias sem obrar e aí ficou sã, completa. É mãe de família hoje”.

Torre no livro do Tombo

Trecho do Livro de Tombo da Freguesia Nossa Senhora do Livramento às folhas 58v e 59 referente à Torre do Bom Jesus do Taquari.

“Assim é que se revestiram de invulgar brilhantismo as solenidades de inauguração do Santuário do Bom Jesus do Taquari.

Eram milhares de pessoas prestigiando um acontecimento ímpar para a nossa terra. A construção da Torre do Bom Jesus do Taquari foi idealizada graças à grande devoção do povo ao Senhor Bom Jesus e tem sua Romaria e festa realizada cada ano no dia 6 de agosto.

A obra foi custeada pela caridade dos devotos do Bom Jesus, tem 21 metros de altura, toda em pedra ou paralelo, localizada no Bairro do Taquari, com 90 degraus, tendo contado com a colaboração de Pai Saló e Mãe Nini. Salomão Silveira fez e executou a planta sendo seu trabalho gratuito.

O povo do Taquari muito ajudou oferecendo trabalho por ocasião da obra e as mulheres e crianças, nas horas de encher as lajes, levavam na cabeça as latas de concreto. Os gastos com a Torre foram material e operários. Sua inauguração teve lugar no dia 6 de janeiro de 1964.

Depois da benção e inaugurada a Torre, o Pe. Sinval Laurentino, seu Vigário, subiu de joelhos os 90 degraus, alcançando os braços da cruz de onde de descortina o mais soberbo e encantador panorama. Uma chuva de papelzinho picado caiu sobre a massa popular que vibrou de entusiasmo e fé”.

Notas: (nossas)

1. O registro acima foi feito pelo próprio vigário – Pe. Sinval, de punho próprio.

2. O Livro do Tombo registra, também, que 1.091 pessoas fizeram doações em dinheiro para a obra, totalizando Cr$300.500,00 (trezentos mil e quinhentos cruzeiros).