Relato de uma paciente
de quimioterapia do HUB

(21/03/2012)

Hoje saímos de casa ainda estava escuro, o céu dava sinais de que teríamos uma manhã ensolarada e isso me deu ânimo.

A Bia foi para um passeio ao STJ, pela escola, o Paulo tinha em seu semblante um brilho de esperança e mais Fé, o Roldão foi para o seu segundo dia no emprego novo e infelizmente a Ana Clara passou a noite do dia anterior e a madrugada internada. Ontem quando liguei para a Luciana no Hospital, pude ouvir a Ana Chorando e dizer dói, dói, dói me cortou o coração. Por isso dou graças a Deus por eu estar acometida dessa doença, sentiria muito mais dor, ver as pessoas que amo, passando por isso. Digo de coração e lhe agradeço Senhor Jesus com minha alma.

Ao entrar no consultório médico, fui surpreendida com a notícia de que a dose da quimioterapia será mais forte, contudo haverei de vencer mais esta batalha.

Enquanto escrevo, acaba de entrar um rapaz bem vestido, de voz doce e suave com um violão. O nome dele é Alan e ele faz isso todas as quartas-feiras. Para mim, ele não é simplesmente um voluntário para distrair os doentes e sim alguém muito especial, aliviando as dores dos outros com canções. Podem crer enquanto ele canta, viajo nas letras das canções e me eternizo ao som suave e gostoso de sua voz.

Agora me atrevi e pedi ao Alan para cantar a música Iolanda, do Chico Buarque, esta canção ninou o meu namoro com o Paulo e tenho grandes e belas recordações daquela época. É isso, a música nos leva a reviver e também a viver momentos que pra sempre ficarão em nossas memórias. Enquanto escuto o Alan cantar pra mim, me imagino à beira da praia sentada, já num final de tarde, sentindo um aroma gostoso e um vento suave em meu rosto e vejo também a Bia e o Paulo correndo, brincando, sorrindo, jogando água um ao outro bem contentes. Que momento delicioso! Registrei o cantar do Alan e a cena que imaginei pra sempre em minha memória. Obrigada Alan por me proporcionar tudo isso em apenas alguns minutos.

Interessante como o meu olhar e o meu sentir agora são diferentes, coisas que antes não tinham tanta importância, agora passam a ter um valor muito significativo. Isso é aprendizado, isso é mudar para melhor, isso é o agir de Deus.

Hoje aguardava no carro o hospital abrir e observando algumas árvores, pude ver o encontro da copa de duas árvores formando a letra V e claro, enxerguei V I T Ó R I A.

Uma flor, uma estrela que se destaca das outras, um cheiro gostoso da roupa tirada do varal, um sorriso do irmão, um olhar encorajador, um aperto de mão firme ou não, um salmo dito por um amigo ao telefone, um eu te amo na mensagem do celular, uma gargalhada, uma lágrima ao ouvir uma canção, um caramujinho andando no jardim, o cheiro gostoso da comida da vizinha, o barulho dos gatos namorando no telhado, o banho quentinho e a toalha cheirosa a me secar, a gargalhada da Bia, o Paulo falando sozinho enquanto lava as roupas, a Ana Clara adentrando a casa com sua inocência e a sua luz, o semblante sereno do Haroldo, o “estou correndo” do Emival, o “e aí” do Roldão, o “estou indo da Regina”,” e aí minha filha como está?”, do meu pai, o “Ceição tá tudo bem?” , da Tânia, o café cheiroso, gostoso e especial que o Paulo prepara para mim todas as manhãs, o olhar brilhante e o passo firme da Bia, junto com o seu beijo e um bom dia mãe! Quantas situações, quanto amor, infelizmente não consigo relatar todos os gestos, todas as percepções, mas tudo são demonstrações de muito amor, carinho, zelo, atenção. É vida que segue todos os dias, mas agora sob um olhar e um sentir diferenciados.

O Alan veio se despedir e li para ele a parte que escrevi enquanto cantava “Iolanda”, pude ver seus olhos brilharem. Ele me pediu uma cópia. O Alan não tem noção do bem, do alívio, da esperança, da sensação de bem estar que ele nos dá. Que bênção ter pessoas como ele, trazendo pra gente momentos tão especiais quando estamos fragilizados. Que Deus possa abrilhantar o caminho dele. Com certeza o Alan tem uma alma linda e grandiosa. Ele faz a terapia da dor pra nós, doando a sua voz com imenso Amor.

Conceição Aparecida Guedes Piauí, paciente do Hospital Universitário de Brasília, em tratamento de câncer de endométrio.