Entrevista – 29.12.2013


Rui Oliveira vê avanços em
educação, na Bahia e no Brasil


(Entrevista ao Jornalista Raimundo Marinho)


O Mestre em Química, pela Universidade Federal da Bahia, Rui Oliveira, coordenador do Sindicato dos Professores da Bahia (APLB-Sindicato), professor da rede estadual de ensino, acredita que houve avanços na educação, tanto na Bahia como no Brasil, nos últimos anos, mas ressalva que ainda há muito por melhorar.

Citou como exemplo de necessidades a qualificação dos professores e a garantia
de escola pública de qualidade, com educação em tempo integral, creche, pré-escola e educação infantil. Sobre o ambiente inseguro em que se tornaram as escolas, por conta de agressões de alunos a professores, afirmou ser consequência da desagregação social que afeta a família, onde não se tem mais respeito nem pelos pais.

Leia a entrevista:

Qual o objetivo da sua visita a Livramento?

Aqui, está sendo realizado um conselho sindical da APLB, que envolve os municípios vizinhos. Temos a diretora regional mais três delegacias e núcleos. É uma reunião importante, feita anualmente para preparar a participação no conselho geral, que será realizado em Salvador, dias 6 e 7 de fevereiro.

Sobre a atuação do APLB, representando os professores:

A APLB é uma estrutura que tem interiorização maior do que qualquer partido político. Enquanto o PT, maior partido da situação da Bahia, tem 40 mil sócios, a APLB tem 87 mil sócios. Está bem articulada em 385 municípios, tem capilaridade e 61 anos de história de luta. Toda participação política da Bahia tem o dedo da APLB.

Quantitativo de professores do Estado, incluído associados:

Na rede estadual, temos hoje 42 mil professores ativos, dos quais 30 mil filiados. Nas redes municipais, temos em torno de 130 a 140 mil pessoas, com 70 mil filiados.

Vale a pena lutar pela educação hoje no Brasil?

Muita gente fala de educação, mas pouca gente pratica educação. A educação precisa descer do palanque, para virar realidade. Temos tido muitos avanços na

educação, no Brasil e na Bahia. Por exemplo, há 30 anos, só tínhamos uma universidade federal, hoje temos seis. Escola técnica, só tinha uma, em salvador, no Barbalho, hoje temos 30. Falta, agora, qualificação profissional. É uma grande luta, a Bahia tem o maior déficit de professores sem formação. Estamos lutando para garantir formação, graduação plena para todos, para melhorar. Incluímos, agora, creche, pré-escola e educação infantil, na lei do FUNDEB, piso salarial, redução da jornada de trabalho. Há uma série de avanços que tendem a melhorar, mas ainda temos muito que lutar.

Principais problemas que ainda precisam ser combatidos:

Do ponto de vista político, os prefeitos pensam que a prefeitura é a casa deles, que os professores são professores deles. É um equívoco, uma cultura atrasada, medieval. Estamos, na medida do possível, fazendo esse debate político com prefeitos e gestores públicos. Tem melhorado muito, mas, nos pequenos municípios, é muito comum essa prática. Estamos tentando libertar, através do concurso público, em que ninguém deve nada a ninguém, não foi o político que indicou, como é feito no Reda [Regime Especial de Direito Administrativo] e PST [Prestação de Serviço Temporário].

O sucesso da escola privada prova que educação dá certo, por que, então, o Estado não investe na educação pública?

Desculpe discordar. Primeiro, a educação privada dar certo nas escolas de excelência. Por exemplo, aqui em Livramento, se tiver escola particular, nenhuma é

melhor que a do Estado. O que existem, sim, são as escolas de excelência. Em Salvador, você conta 10 melhores escolas, escolas tradicionais, como Salesiano e Sacramentinas, que pagam menos que a rede estadual e os professores trabalham muito mais. Os professores da rede pública são os melhores, porque ingressam por concurso público. Na rede particular, eles ingressam por que “QI” [quem indicou]. A diferença é que, na particular, há uma cobrança muito grande dos pais, da comunidade, que querem aula, porque estão pagando. Mal sabem que, na pública, quem paga são os pais também, só que de forma indireta, através dos impostos que todos pagam. Então, precisa haver migração da classe média para a escola pública, para esta exigir qualidade nessa escola. A rede particular é muito ruim em relação à rede estadual. Você pode ver que escolas de excelência existem, mas isso é outra história, seus professores são piores remunerados que os da rede estadual.

O Estado se vale dessa falta de pressão para negligenciar a escola pública?

A questão fundamental é que gestores gostam de pão e circo. Para o ano, teremos carnaval, copa do mundo e eleição. Só se fala nisso, ninguém fala em qualidade na educação, em melhorar o nível. Não investimos em educação, como a Coréia, Japão e China e outros países fizeram, melhorando sensivelmente seu nível de qualidade e de excelência. É preciso garantir escola pública de qualidade, com educação em tempo integral, creche, pré-escola e educação infantil. Fazendo isso, você garante o alicerce e o menino voa.

Avaliação dos currículos em relação à realidade do aluno:

Tem um autor que diz que somos professores do século 19, estamos numa escola do século 20 e os estudantes do século 21. Essa é uma realidade e é correto. Não sei que dia foi, passou na televisão, um pintor do século 19, que retratou a escola pública como sendo uma pessoa falando para diversos alunos. Essa escola do século 19 é a mesma do século 21, mas com estudantes que trabalham com tablet, internet, andam em redes sociais, deixando de ter status privado, numa sala de aula, e passou a ter vida no mundo. A realidade é outra e os professores precisam ser qualificados para atuar nesse contexto.

Proposta da APLB para melhora a educação

Nós achamos que, na Bahia, não existe uma política para a educação. Existem programas, projetos, mas não tem uma política centrada em melhorar a educação. A Bahia tem um dos piores índices de analfabetismo e de formação de professores. Temos que erradicar essas chagas, garantir que o aluno tenha acesso e permaneça em escola pública. Garantir que os professores sejam valorizados, qualificados e mais investimento para a educação. Gestão, carreira e formação são ações e projetos que devem nortear o balizamento da melhoria da educação pública na Bahia. Estamos construindo uma conferência estadual de educação, para maio de 2914, em Salvador, onde iremos pegar 1.600 delegados, tirados das conferências regionais, que serão realizadas em abril, para apresentar a todos os pré-candidatos a governador um projeto de educação para a Bahia, para melhorar sensivelmente e sair do atraso. Houve avanço, mas ainda continua muito atrasada em relação ao sul e ao sudeste. Por exemplo, o Enem, que é federalizado, é um verdadeiro apartheid social, porque os alunos do sul e do sudeste, em tese, são melhores, ou menos ruim, que o do norte e nordeste. Então, esses meninos vão pegar as melhores vagas das universidades federais e estaduais dos nortistas e dos nordestinos, porque estão mais preparados. Temos de diminuir essa desigualdade, melhorar a educação e não ficar só no blá-blá-blá.

Possibilidade de haver outra grande greve, em 2014

A última greve, de 115 dias, deixou sequelas para todos os lados. Quem mais incentiva a greve são os gestores e não os trabalhadores. E não há ninguém para normatizar e dizer se a greve é legal ou ilegal, como na rede particular, onde se faz uma greve, vai para a Justiça do Trabalho, o juiz senta, chama as partes, arbitra e acaba a greve. Na rede pública, não, é correlação de forças. O governo tentou massacrar o movimento, se deu mal, ganhamos a opinião pública, o governo foi derrotado, durante todo o processo. Está fazendo autocrítica, na prática, e nós queremos avançar. Então, a gente não interessa a greve, mas, se for necessário, faremos novamente.

O piso nacional trouxe alguma animação para a categoria?

O piso nacional é um marco, uma referência histórica. Está na Lei 9.394/1996. A APLB já dizia que nós temos nos valorizado com o piso nacional desde 94. Foi no governo Lula que os movimentos sociais pressionaram e garantiram o piso. Esperamos que as prefeituras respeitem a lei do piso, que não é somente o salário é a redução da jornada de trabalho. E esperamos ampliá-la, agora, com o PNE [Plano Nacional de Educação] e a lei de responsabilidade social que vai punir dirigente que não cumpre a legislação educacional.

Sua opinião sobre o sistema de cotas:

Vou resumir numa frase: “ninguém pode tratar de forma igual quem é desigual”. Vou dar um exemplo, meu filho sempre estudou em escola particular, no Sartre. Paguei dois mil reais na última mensalidade dele. Pode-se comparar meu filho com quem sempre esteve em escola pública de periferia para fazer o mesmo vestibular? Não dar, é desigual. Tem de se corrigir a distorção, não pode ser uma política permanente, mas tem que ser uma política que vá, no dia-a-dia, recuperando.

Violência de alunos aos professores. Posição da APLB:

É tema para um seminário, uma conferência. Falei que nós estamos numa escola do século 20, estudante do século 21 e professor do século 19. Na minha época, eu tinha família. Meu pai me levava para a escola, eu tinha que obedecer ao professor. Ninguém imaginava eu agredir o professor. Hoje, o menino [até] bate no pai. Isso é um dos indicadores, porque a sociedade mudou, sociedade onde há muita contestação. E os meninos de hoje são de uma geração, como dizia Caetano [cantor Caetano Veloso], sem lenço, sem documento. Ele não está ali para lhe ajudar, ele está ali para lhe pressionar e, se puder, lhe derrubar. E existem a droga, a violência, o abandono, uma série de fatores que interferem na formação familiar.

Antigamente, tinha a Associação dos Pais e Mestres, na escola. Hoje, por exemplo, eu sou separado, tenho um filho com minha ex-mulher, posso constituir outra família, que pode vim com um filho da parte dela ou eu trazendo o meu. A responsabilidade social e jurídica minha é com o meu filho, a minha futura ou atual mulher não tem deferência, a responsabilidade é minha e da minha ex-mulher. Isso cria um conflito, é um problema de família. E quem não tem família? Por exemplo, em Salvador, tem 51 mil estudantes que não têm pai e nem mãe registrados. E o Ministério Público fez uma campanha da “paternidade legal”. Já pensou, uma professora chega à sala de aula, não tem essa informação e diz: “amanhã, traga seu pai aqui para a gente conversar”. Ele [aluno] não tem pai nem mãe. Nem aparece na escola. E, se você deixar um menino desses na rua, o tráfico [de drogas] recruta, não tem jeito.

Hoje em dia, se você fizer uma pesquisa, pelo IBGE, de quem trabalha, de quem tem três “P”, de preto, pobre e periferia, a vida média deles é de 19 até 24 anos. Morrem, matam, vira estatística e ninguém nem liga mais. Essa é uma realidade que a gente tem que conviver. Claro que ninguém está aqui para aceitar, ninguém gosta de ser xingado nem agredido, mas a gente tem que enfrentar. Não é um problema local, é um problema conjuntural da sociedade.

Você vê esses meninos pobres de periferia assistindo a novela Malhação, quem é que entende de malhação ali. Ele está num mundo que não é o dele, mas ele quer a roupa de marca. Vai ter aonde? No tráfico, no roubo. E, dali, não dar para voltar. Antigamente, o máximo que se ouvia falar era sobre maconha. Hoje em dia, o cara entrou no craque, [então] já era, dificilmente volta, não tem volta. Eu sou químico, não tem como voltar. É milagre, se recuperar, não tem como voltar. E, às vezes, as pessoas, na escola, começam fumando maconha, que não faz mal, só que vem misturada com craque, quem tá fumando não sabe que está sendo viciado. Viciou, já era, não tem retorno.