Salvação do CEJVB – 25.04.2014

O dever, o favor, o voto
e cem anos de gratidão

(ou: A feliz história de uma causa
perdida que não chegou a ser)

Jorge de Piatã (*)

O leiloeiro judicial da Junta de Conciliação e Julgamento de Brumado já estava a postos para no dia seguinte bater o martelo entregando o prédio do então Centro Educacional João Vilas Boas (Cooperativa de Educação e Cultura Ltda.), inteirinho, a quem oferecesse o valor mínimo para cobrir o montante de uma indenização trabalhista, em ação que lhe fora movida em meados da década de 1990.

Era uma pechincha que estava enchendo os olhos dos agiotas de plantão.  Um falava em colocar no lugar um baita supermercado. Outro já planejava a colocação de um posto de gasolina com uma lanchonete do lado. Outro arquitetava aproveitar a estrutura do prédio transformando-o num hotel... Tinha até um mais sonhador (se é que agiota tem tempo para sonhar!) que falava em transformar o prédio escolar em uma discoteca. Que, na ocasião, estava na moda, no ritmo de John Travolta e ao som de Olivia Newton John.

“É causa perdida!”. Teria sido este o veredito de um(a) advogado(a) ao devolver à diretoria do Colégio, 24 horas antes da praça (leilão), a papelada da reclamação trabalhista, “porque não havia mais o que fazer!”.  Diversos advogados, aliás, pela mesma razão ou por outras que não interessam sejam cogitadas (mas todas respeitáveis), já haviam se recusado a patrocinar a defesa que se fazia urgente.  

Mas, de fato, como consta da história contada pela professora Lili, no Mandacaru da Serra, mestres, funcionários, alunos, ex-alunos, pais de alunos e muita gente solidária da comunidade formaram uma comissão (da qual até a competente articulista fazia parte), com o objetivo de arrecadar fundos e providenciar a defesa do Colégio.  Mas, à última hora, faltava ainda contar com os préstimos de um advogado que se dispusesse a patrocinar sua defesa.

E foi aí que, estando também participando ativamente dos esforços daquela comissão de frente, a professora Márcia de Lourdes tomou a iniciativa de pedir a ajuda a um advogado, meu amigo, ex-aluno do colégio, fazendo-lhe, na véspera da praça (marcada para 09.08.1994) – em nome de todos os interessados – um detalhado histórico da grave crise que estavam vivenciando. Encerrando, fez-lhe então um veemente apelo para que lhes prestasse, de imediato, os serviços emergenciais de que tanto necessitavam.

E de graça, porque o valor até então arrecadado mal chegava a um terço do valor da dívida. Apelo aceito, procuração firmada e o meu amigo advogado foi à luta. No mesmo dia, fez os contatos necessários com a ilustre advogada do reclamante e firmaram a petição do acordo de parcelamento que, suspendendo a praça no momento da sua realização, pôs fim à demanda e evitou que a bela história do Colégio João Vilas Boas tivesse um final trágico. 

Não cito mais nomes da comissão para evitar a injustiça de excluir outros que também batalharam muito. Minha memória, por certo, seria falha porque foram tantos. Mas, o que mais ficou gravado na tela das minhas lembranças foi o clima de aflição e a cara de desespero dos que queriam salvar o Colégio, até mesmo a do tal advogado que, ao que me parece, não andava nem anda brigando para aparecer. Soube que, há pouco tempo, fora incluído entre cidadãos homenageados pelo Colégio, mas não teria comparecido à solenidade e nem sei se justificara a ausência. 

Mas, peço licença para fazer – com todo respeito que ela merece – pequenos reparos nas lembranças da articulista acima referida. Primeiro, afirmo que não houve qualquer participação “das autoridades” nem “do governador” no momento decisivo da salvação do Colégio. De “autoridades” então envolvidas sabe-se apenas dos membros da diretoria que, estando à frente de um considerável grupo de cidadãos à beira do desespero, não informaram ao meu amigo advogado, que então constituíram, haver uma autoridade sequer (de qualquer dos três poderes) e muito menos “o governador”, que se dispusesse, naquele grave momento, a colaborar no histórico esforço de resistência da comunidade local.

Porque, se assim fosse, o advogado em apreço teria mandado a conta dos seus honorários – que dispensara do Colégio, em razão da sua penúria financeira – para serem pagos por “suas excelências, autoridades ou o governador”, que evidentemente jamais integraram as fileiras dos pobres ou miseráveis que não podem pagar advogados (ao contrário, suas excelências eram e são cidadãos costumeiramente mais bem apetrechados de bens e de recursos financeiros, do que os mortais comuns, além de sempre contarem, no enfrentamento de necessidades, digamos, estratégicas, de reforços de caixa oferecidos por amigos empreiteiros).   

O segundo reparo que ouso fazer é que a primeira parcela do acordo (**), no importe de R$2.240,00, foi paga em moeda corrente, em dinheiro vivo, no momento do pregão, que levou a Justiça do Trabalho a suspender o iminente leilão.  E não a última que, se foi efetivamente paga “pelo governador”, com dinheiro do seu próprio bolso, sua excelência foi regiamente compensado nas eleições subsequentes pelos votos decorrentes do seu abnegado gesto.

Por outro lado, se a última parcela foi paga “pelo Governo”, certamente o foi com o dinheiro do povo, e sua excelência, então, não fez mais do que cumprir sua obrigação de governante ao empenhar a verba necessária.  E mais, todos os valores menores do que os R$2.770,00 (correspondentes ao montante da terceira parcela), até mesmo os centavos anotados no livro de ouro para cobrir indistintamente as parcelas da dívida, doados que foram na maioria dos casos com sacrifício pelos colaboradores individuais da comunidade e da região, representaram muito mais do que aquela suposta doação integral da terceira parcela, porque justificados apenas pelo interesse de salvar o Colégio, sem segundas intenções, muito menos de prestígio eleitoreiro.

Enfim, a colaboração da comunidade foi a maior de todas, maior até do que a prestada pelo advogado meu amigo que teve a honra de lhes servir de graça. Mas a desse advogado foi consideravelmente mais valiosa do que a então prestada por suas excelências, as autoridades. Que, se não foi nenhuma, nas circunstâncias e na ocasião em que oferecida, longe esteve de ser a que necessitava a comunidade naquele momento de extrema aflição.

O segundo reparo, tem a ver com a deslembrança da ilustre articulista quanto à orientação preventiva que lhes deu o dito advogado, no final do trabalho defensivo – também sem nada cobrar pelo conselho – recomendando aos que estavam à frente daquele movimento de resistência e de salvação do Colégio que tratassem urgentemente de lutar pela sua estadualização, porque seria difícil contar com outro milagre caso novos processos lhe fossem movidos. (Até porque, para aquele milagre, o advogado contara, ao fazer o veemente apelo que resultou no acordo de parcelamento e suspensão da praça, com a compreensão e sensibilidade do próprio reclamante e da sua então patrona, Dra. Ana Glória Trindade Barbosa).

E o terceiro e último reparo, contrariando ainda a ilustre professora, é para afirmar, com toda veemência, que o mérito da incorporação do Colégio ao patrimônio do Estado cabe todo à comunidade local, que construiu e contribuiu para a sua edificação, para o seu crescimento e para a sua manutenção, durante toda a longa história da Cooperativa de Educação e Cultura Resp. Ltda., sua mantenedora, desde o Coronel Zezinho Tanajura, que doou o chão, seguindo-se das personalidades públicas da época (bem lembrados no artigo), dos seus sucessivos dirigentes (incluindo a querida articulista), professores, funcionários, pais de alunos, alunos, ex-alunos e de muita gente solidária (incluindo até aqueles que só puderam contribuir com alguns centavos ou com escassos reais para o caixa da Cooperativa), que sempre somaram esforços pela engrandecimento daquela Instituição.

E foi assim, finalmente, que o Governo do Estado da Bahia recebeu, na bandeja, pronto, edificado e bem estruturado, com um quadro de professores e de funcionários experientes e capacitados, o CJVB e o incorporou ao seu patrimônio.  E, depois disso, como todos sabem, apenas pelo extenuante esforço intelectual e pelo tanto de suor derramado na elaboração e assinatura de uma singela Portaria que consumou aquela incorporação (doação), até hoje suas excelências – e seus herdeiros e aliados políticos – ainda exigem votos e mais votos, sempre contando com a gratidão e com o adjutório dos que não se cansam de agradecer como se fora favor o que eles (suas excelências) fizeram ou fazem por obrigação. E sempre muitíssimo bem pagos pelo povo, em votos e/ou em dinheiro, o que vem a dar na mesma misturança.

Clique para ver o texto do acordo>>

(*) Jorge de Piatã é o nome literário do advogado Jorge Soares de Oliveira, colaborador deste site, ele próprio o postulante e mediador do acordo que impediu que o prédio fosse a leilão por conta de uma ação trabalhista, que teria tramitada à revelia, na Justiça Trabalhista de Brumado.  
(**) Clique aqui e veja cópias  em fac-símile do acordo e recibo de pagamento da parcela que evitou o leilão.