Artigo – 03.02.2014

Ainda sobre o desagravo
à professora Márcia

 

Jorge Soares de Oliveira

Advogado

(continuação)

Inclusive com os alunos da minha turma do Ginásio de Livramento (início da década de 60), que recebemos coletivamente uma punição aplicada na ocasião só aos do sexo masculino. É que a sindicância então procedida pela Diretoria para apurar uma suposta infração disciplinar conseguira detectar tão somente – e não me lembro por qual detalhe – que o seu autor teria sido da nossa série e do sexo masculino. Contudo, não conseguindo identificar o autor da molecagem, apesar de nos ter interrogado exaustivamente, um a um, com a advertência de que o nosso silêncio poderia nos acarretar uma punição coletiva, as autoridades sindicantes do então Ginásio de Livramento, frustrados os seus esforços de investigação, resolveram nos punir com uma pena de três dias de suspensão. E isso só aconteceu por havermos nos recusado a dedurar o nosso colega então tido como indisciplinado e cuja identidade era do nosso conhecimento. Mas, o ato de indisciplina que então se tentara apurar – e este é um dos pontos essenciais do presente relato – deve ter sido de tão pouca relevância que apesar do esforço de rememoração que andei fazendo, não consegui nem de longe lembrar qual teria sido sua natureza. (Tenho apenas a vaga lembrança de que poderia ter sido a estória de uma bombinha de gravatá que, colocada no lado externo da nossa sala de aula, com uma bagana acesa, explodiu causando apenas susto aos circunstantes).

Mas, por exclusão, de uma coisa tenho certeza plena: não foi nenhum ato de desrespeito a qualquer dos professores ou a quem quer que seja. E, muito menos, uma atitude que pudesse ser considerada de covardia. E afirmo isso, com toda convicção, por que, além da admiração de todos por não havermos delatado o colega, continuamos contando com o respeito, o apreço e a compreensão de todos os nossos professores, antes, durante e após cumprida a punição.  E também da maioria dos nossos pais. 

Assim, com todo o apreço, peço-lhe que nos faça a gentileza, doravante, de não mais conceder o título de moleque a nenhum agressor. Tenho chamado carinhosamente de moleque, moleca ou molequinho, a filhos, netos, sobrinhos, e até mesmo a um cunhado que nunca quis crescer. Ah, sem esquecer também que tenho amigos e colegas, alguns de cabelos brancos assumidos, outros já pintando as mechas que lhes restam, e outros carecas ou tentando esconder a condição de deficientes capilares e que, não obstante cada dia menos jovens, ainda aprontam travessuras. Enfim, tem muita gente boa que não deixa de praticar, rotineira ou eventualmente, as artes da molecagem.

Assim, sinto-me compelido a manifestar o meu entendimento de que em circunstâncias que envolvam fatos como o(s) aventado(s) no desagravo, as expressões que melhor definem comportamentos da espécie são fartamente encontradiços em outros dicionários que não os da língua portuguesa. Ou seja, naqueles dicionários, de ordem numérica, chamados respectivamente Código Penal, Código de Processo Penal e Estatuto da Criança e do Adolescente.  Que não fazem qualquer referência a moleque ou molecagem. Mas fazem referência a delinquente, ou a outras com a mesma significação de marginal, de infrator, de bandido, de agressor, etc. E, mais, relacionam e definem os diversos tipos de crimes, inclusive os de injúria, os de ameaça, e de outros relacionados com as agressões físicas e morais.  Nesses mesmos dicionários existem expressões que definem também circunstâncias que qualificam ou dão conotações mais graves a todo e qualquer delito, acarretando a majoração das penas previstas. Dentre essas expressões figuram com o devido destaque os termos que definem, entre outras atitudes repulsivas, a covardia do agressor e a fragilidade ou a impossibilidade de defesa da vítima.

Para finalizar, na expectativa de se que apurem os fatos e que se faça justiça, resta-nos a confiança na atuação das autoridades competentes. A começar dos Srs. Diretores Escolares a quem compete tal iniciativa. Mesmo que tardiamente, eles certamente adotarão as providências adequadas, sobretudo por saberem que não são diretores de um colégio qualquer, mas do Colégio Estadual João Vilas Boas, sucessor do Ginásio de Livramento.

Ademais, a atitude de omissão (ou de retardamento) importa em menosprezo às razões de sofrimento da vítima e em obstáculo à apuração dos fatos. Apuração essa que se faz indispensável para que se chegue a uma decisão administrativa (sindicância) e para que, em se constatando a ocorrência infracional, se proceda sua comunicação às autoridades competentes, para que se cumpra o devido processo legal e se faça a esperada Justiça.  

Afinal, nenhuma instituição pode prescindir da observância do ordenamento jurídico. Muito menos uma instituição educacional.  Desculpe-me, por conseguinte, quem interessar possa, mas é assim, repisando obviedades tão ululantes, que encerro o presente artigo.