Homilia – 15.08.2015

SOLENIDADE DE NOSSA
SENHORA DO LIVRAMENTO

(15 de Agosto de 2015)

 

 

Leituras: Ap 11, 19;12,1.3-.10; Sl 45/44; 1Cor 15,20-27; Lc 1,39-56.

Saudações: Padres, Irmãs religiosas, Seminaristas, Animadores das Comunidades, Ministros Extraordinários da Sagrada Comunhão Eucarística, autoridades civis e militares desta amada Cidade e das demais cidades: entre cantos de festa e com grande alegria (Salmo) desejo a todos que possamos celebrar hoje e sempre os louvores em honra de Maria, a mãe do Filho de Deus, que hoje invocamos com o título de Nossa Senhora do Livramento.

Gostaria que, mais uma vez, com olhar e coração transparentes, observássemos a cena narrada pelo evangelista Lucas. É uma cena de grande simplicidade, mas tão comovente. Duas grávidas se encontram e falam do que está acontecendo nelas. O que elas sentem é vivido na fé. Tudo muda quando os acontecimentos da vida são interpretados à luz da fé. Elas são mulheres repletas de fé e de Espírito.

Maria cumprimenta Isabel, desejando-lhe tudo de melhor para ela que, já avançada na idade, está recebendo um filho, como grande dom de Deus para sua vida. A casa se enche de alegria. Até a criança, no ventre de Isabel exulta de alegria.

Existem muitas maneiras de cumprimentar as pessoas. Maria saúda de maneira que cria um clima de alegria, de paz. O evangelista, mais tarde, recorda o que Jesus pede aos seus seguidores: Em qualquer casa que entrardes, dizei primeiro: ‘paz a esta casa’.

Isabel responde a Maria com palavras de bênção: Bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre. Deus está sempre na origem da vida. Todas as mulheres, portadoras de vida, são benditas por Deus, pelo Criador, benditos são também os filhos.

Isabel acrescenta o motivo mais profundo da alegria e da bênção para Maria: Feliz aquela que acreditou! É a partir da fé que a vida se ilumina de nova luz e da mais profunda esperança. O olhar simples de Isabel, sabe colher e reconhecer na jovem Maria a fé que a tornou pronta para acolher o mistério de Deus, seu projeto de salvação.

Paremos, ainda um pouco, contemplando esse encontro. Maria e seu Filho ocupam o espaço central. Recebe o título - que é o mais importante para compreender quem ela é: Mãe do meu Senhor. Pelas palavras de Isabel, o evangelista Lucas faz a igreja toda reconhecer quem é Maria. Para nós, seguidores de Jesus, Maria é a Mãe do nosso Senhor. Os primeiros cristãos, nunca separaram Maria de Jesus. Eles são inseparáveis. Ela, Maria, nos doa o fruto bendito de seu ventre.

Isabel reconhece que a grandeza de Maria, diante de Deus, consiste na fé, ‘porque acreditou’, porque acolheu em sua vida o projeto de Deus e seu chamado com total disponibilidade, a qualquer custo. Ela guardou em seu coração a Palavra, escutando-a, meditando-a, deixando-a crescer em si mesma, cumprindo o que a Palavra diz.

Maria apresenta-se como evangelizadora, isto é, carrega em si mesma o Evangelho vivo, a bela notícia da misericórdia do Senhor. Por isso, pode cantar: A minha alma engrandece o Senhor, e o meu Espírito se alegra em Deus, meu Salvador.

Evangelizar é a missão da Igreja. O Papa Francisco nos recorda constantemente que a alegria devedistinguir quem anuncia o Evangelho, porque – diz o papa – essa alegria “enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus... Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria” (EG 1). Disso, Maria é o grande exemplo, o modelo perfeito. O Evangelho contesta e contrasta o mundo atual que oferece consumo, proporciona prazeres superficiais, promete progresso e sucesso ilimitados, mas quando o coração humano não se abre à partilha, ao serviço, ao dom de si, e permanece mesquinho e acomodado, então a verdadeira alegria não consegue brotar. O grande cientista e pensador francês, Blaise Pascal escreveu: “Ninguém é tão feliz quanto um cristão autêntico”.

Se os jovens conseguissem ver em nós adultos, antes de tudo, pessoas que testemunham a alegria de crer e amar! Com certeza, muitos acolheriam a pessoa de Jesus e sua mensagem com maior entusiasmo. Um cristianismo feito só de renúncia pela renúncia, de empecilho à felicidade, ou de uma felicidade só futura – lá no céu – essa mensagem não corresponde à proposta de Jesus. Como gostaria que nos olhares sinceros e transparentes de todos os que se proclamam cristãos, isto é, que acolhem a proposta de vida do Evangelho em suas vidas, resplandecesse dignidade, coragem de arriscar a vida, disponibilidade em servir, amabilidade e ternura, prontidão em acolher, espírito de perdão... enfim, uma alegria contagiosa que faça desejar conhecer, amar e seguir a Jesus. Isso, acrescenta o papa, “permite-nos levantar a cabeça e recomeçar, com uma ternura que nunca nos defrauda e sempre nos pode restituir a alegria” (EG 3). Se for assim então, não teria razão o pensador Friedrich Nietzsche que acusava os cristãos de serem “pessoas mais acorrentadas do que libertadas por Deus”.

Maria canta o seu hino de louvor e agradecimento a Deus, porque a fé ilumina a sua vida.

Fotos: Lincoln Marinho

Hoje, precisamos rever e amadurecer essa fé. Já no século XIX, o grande convertido e depois bispo e cardeal Henry Newman observava que uma fé passiva, herdada e não repensada terminaria entre as pessoas cultas em ‘indiferença’ e, entre as pessoas simples, em ‘superstição’.

Por isso, por anos, refletimos e assumimos compromissos a respeito da Iniciação cristã, como proposta de verdadeira experiência de Jesus Cristo vivo... e agora, o nosso projeto pastoral está orientando para a uma melhor compreensão do rosto do nosso Deus, Trindade santa, Pai, e Filho e Espírito Santo, a partir da Palavra de Deus... até à caridade, como testemunho de vida nova, e passando pela Liturgia, qual momento alto para expressar a fé em Jesus, morto e ressuscitado.

Precisamos amadurecer, não sem esforço e busca pessoais, uma fé no Senhor ‘Ressuscitado dos mortos como primícias dos que morreram’ – como escreve são Paulo (II leitura). Fé, então, como confiança e abandono nas mãos d’Aquele que é o Senhor da vida e da história. Continua o apóstolo Paulo: “O fim será quando Ele entregar a realeza a Deus-Pai, depois de destruir todo principado e todo poder e força”...

A Igreja da primeira hora já acreditava nisso, como bem expressa a I leitura: a mulher vestida de sol, imagem viva da Igreja da qual Maria é modelo e síntese. O dragão, símbolo do poder do império e de todo humano poder, não tem a capacidade de destruir as forças da vida e da esperança do Povo que acredita no Senhor. Sim, passará por momentos de sofrimento, deverá, por um breve tempo, esconder-se no deserto, mas, Deus não abandona os que nele confiam. De fato, diz Ap: “Agora realizou-se a salvação, a força e a realeza do nosso Deus, e poder do seu Cristo”.

Para fazer profissão de fé, acrescento, não é suficiente dizer que ‘se crê em Deus’, mas, é preciso ver: em qual Deus se crê!? Se creio num Deus autoritário, justiceiro ou somente arquiteto do mundo, mas que vive indiferente à minha vida e aos acontecimentos deste nosso mundo... então, acabaremos agindo segundo essa mesma imagem... Se a imagem do nosso Deus é de perdão, amor, solidariedade e ternura, então procuraremos agir conformando a vida desse jeito...

A fé é – deve ser – atitude viva que nos mantém atentos a Deus, abertos, a cada dia, ao seu mistério de proximidade e amor para com cada ser humano. Maria é o modelo melhor dessa fé viva e confiante. É a mulher que sabe escutar o Deus que a chamou, desde o fundo do seu coração e atenta ao projeto de salvação do seu Senhor. Por isso, Isabel a declara ‘feliz’.

Essa felicidade seja a nossa, também! À escola de Jesus, tendo Maria como modelo e intercessora, possamos aprender a crer de verdade e agir coerentes com essa fé que professamos. Com a luz do divino Espírito, saibamos e consigamos superar a separação entre a fé que na Igreja professamos e a fé que na vida cotidiana praticamos. Não para fazer coisas grandiosas, mas para viver intensamente, coerentes com essa fé, toda a nossa vida, no dia a dia. Assim seja...

 

(Dom Armando Bucciol, bispo da Diocese de Livramento de Nossa Senhora)