Artigo – 08.10.2017

UM LIVRAMENTENSE QUE
DEIXOU SAUDADE... E EXEMPLOS

Eduardo Lessa (*)

Faria 100 anos no próximo 15 de dezembro. Nasceu em Livramento de Nossa Senhora, ex-Livramento do Brumado, Estado da Bahia. No ano de 1917, o mundo vivia as consequências da 1ª Grande Guerra Mundial. Tal fato, porém, devido às precárias comunicações à época, não parece ter atingido a rotina e sossego da cidade. Faleceu em março de 1997, ano em que completaria 80 anos de idade. Estamos falando do cidadão LOURIVAL PEREIRA GUIMARÃES. Naquela cidade passou toda a sua vida, servindo à sua comunidade. Casou-se com Dona Enedina Lessa Guimarães, hoje com 92 anos, com a qual teve 5 filhos. Três deles já falecidos.

Da sua vida colecionamos alguns fatos, dignos de registro, que podem servir de exemplo para as novas gerações. Dos onze irmãos, segundo o testemunho do seu irmão mais velho Valdemar, “era ele o mais diligente na escola e inclinado à leitura e às ciências”. Na sua adolescência, embora ajudasse à família nos negócios da agricultura familiar – no sítio denominado Recreio, onde nasceu – aquela não era a sua vocação. Por esta razão, seus pais: Major Durval Guimarães e Alice Pereira Guimarães, o direcionaram para outras atividades que melhor adequassem ao seu perfil profissional. Frequentou a Escola Primária, de 1928 a 1931, no Povoado da Rua do Fogo, a três quilômetros do centro da Cidade, tendo sido seu professor o Sr. Ubaldo Donelo de Aguiar. Nesta Escola exercitou a leitura, a escrita/caligrafia, a aritmética etc. Constava também do aprendizado o conhecimento de Francês/rudimentos. Como se sabe, a língua francesa era praticada, à época, nos cerimoniais e festas promovidas pelas famílias patriarcais e burguesas – as elites da época - além da necessidade de tradução de livros de medicina, donde surgiram os charlatães e farmacêuticos que praticavam a medicina. Justifica-se também o conhecimento e uso do Francês em razão da procedência de vários produtos industrializados (louças, bijuterias, máquinas domésticas etc) e cujas especificações estavam no idioma Francês. Terminado o primeiro período da escola primária, Lourival prestou o exame final, obtendo aprovação “com distinção”. A partir de então (1931), consta dos seus registros pessoais “...fui companheiro dos meus pais e irmãos em tudo aquilo para uma vida melhor e feliz com variedade de atividades, até 1938...” (sic).

Durante sua vida, desempenhou três atividades profissionais: de 1939 a 1940 exerceu o cargo de professor municipal (alfabetização e primário), no Povoado do Barbosa, distrito de Iguatemi, município de Livramento. Recebia uma pequena remuneração correspondente a mais ou menos R$ 60,00 por mês. Hospedava-se numa residência particular, gentilmente cedida por um senhor de nome Jacinto, que se interessava pela instrução dos seus filhos. Nos dois anos que ali permaneceu, deixou muitos amigos e tornou-se padrinho de batismo de muitos dos seus alunos.

Tendo se casado em 1943, conseguiu uma nomeação, em junho do mesmo ano, para “Guarda Fiscal”, lotado na Coletoria Estadual de Livramento. Nessa atividade teve o acompanhamento e apoio do Sr. Arnulfo de Oliveira Gotschalk, cidadão de Rio de Contas, que era o chefe da repartição e de quem se tornou amigo. Devido ao seu bom desempenho como Guarda Fiscal, foi nomeado – em outubro de 1948 – Agente Postal Telegráfico (APT) de Livramento, exercendo o cargo de Chefe dos Correios. Aposentou-se em setembro de 1977, por tempo de serviço, após 34 anos ininterruptos de atividades no serviço público. Nos seus REGISTROS PESSOAIS, deixou escrito: “Graças a Deus, foi um período de mais de 30 anos em que gozei de bom conceito no trabalho, servindo com muito prazer a toda a comunidade, assim obediente aos meus chefes de serviço da Diretoria Regional do Departamento dos Correios e Telégrafos da Bahia”. (sic)

OPINIÃO SOBRE ESTE HOMEM: MEU PAI

Por tudo quanto dele conheci e pela experiência de haver convivido com ele, poderia sintetizar seu caráter numa única frase: “cultivou, enquanto viveu, a simplicidade, a bondade, a solicitude e o bom humor”. Não posso esquecer-me dos tempos de criança quando, à noite, ele se dispunha a passar horas conosco descascando cana ou laranja, ou cortando melancia, enquanto conversava conosco sobre assuntos da escola, dos companheiros e das brincadeiras de rua; com isto, ele se inteirava da nossa vida e nos orientava, como podia. Passado muito tempo, pude concluir que esse método de educar funcionava muito bem, sem criar constrangimentos para os filhos em contatos formais. Deste modo, ele foi um educador, a seu estilo.

No campo profissional, na condição de funcionário público do então Correios e Telégrafos, ele demonstrou grande senso de responsabilidade no ofício. Chegava a procurar – fora do horário de trabalho – as pessoas residentes na “roça” (povoados dos Distritos), geralmente aos sábados, por ocasião da feira semanal, a fim de entregar-lhes cartas vindas de São Paulo ou de outras cidades do Sul/Sudeste, muitas delas contendo dinheiro em espécie, como era costume à época, até a década de 70. Como se sabe, a maioria dos habitantes do interior não dispunha de conta corrente em Banco. E muitas cidades nem tinham Banco. As pessoas recebiam dinheiro por Via Postal, em envelopes transparentes, vindo de parentes ou amigos que migravam para o sul em busca de emprego e de uma vida melhor. Com que satisfação eles recebiam esse benefício!!! Por vezes, tais pessoas nem iam à feira do sábado e, como meu pai conhecia vizinhos e parentes do beneficiário, fazia chegar até ele a carta e o dinheiro. Esse episódio se repetia quase todos os sábados, e fui testemunha disso.

Pela sua trajetória de vida e pelo legado de serviço à comunidade, seus filhos deixaram o seguinte epitáfio, no dia do seu sepultamento, com os dizeres: “Você partiu hoje para o ‘outro mundo’, para uma dimensão incomensurável e misteriosa. Tenha a certeza, pai, do dever cumprido, de que seus filhos hão de seguir seus exemplos de simplicidade, humildade, fidelidade e tantas outras virtudes que você soube praticar em sua vida, nos seus 79 anos, dois meses e dezoito dias de vida. Descanse em Paz”. (sic)

(*) Eduardo Lessa Guimarães, membro da Academia Baiana de Educação